Falta pouco mais de mês para o início do verão, que vai de 21 de dezembro a 20 de março. Caracterizada por dias mais longos e quentes, a estação é associada às férias. Em contrapartida, é época de muitas chuvas devido ao aumento do calor no Brasil. Esse fenômeno eleva os riscos de desastres naturais e a propagação de epidemias como a dengue, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti.
O Observatório dos Desastres Naturais, da Confederação Nacional de Municípios (CNM), aponta que, nos últimos dez anos, os desastres naturais geraram 20.347 decretações de anormalidade. Já os casos de dengue chegaram a 802.249 somente em 2016, de acordo com o Ministério da Saúde.
Representante do Movimento por Aluguel Social e Moradia em Petrópolis (RJ), Claudia Ramos sabe bem o que é passar por chuvas intensas e vendavais. Ela lembrou o temporal de quatro horas que devastou a Região Serrana do estado na madrugada de 12 de janeiro de 2011. O desastre, que deixou mais de 900 pessoas mortas e 35 mil desabrigadas, foi a segunda maior tragédia desse tipo no país, depois da tromba d’água que caiu sobre a Serra das Araras, em 1967, deixando cerca de 1.700 mortos.
— Em questão de segundos, a enxurrada levou tudo. As pessoas tiveram que deixar suas casas por volta da meia-noite para conseguirem se salvar.
Claudia é agente de endemias da Vigilância Ambiental de Petrópolis. Ela se queixa da falta de fiscalização, da burocracia no acesso a programas sociais pós-tragédias e das mudanças de planos sempre que há troca de governo. Fatos que, segundo ela, só aumentam a apreensão da população.
Os órgãos de defesa civil e de saúde já estão anunciando as ações para enfrentar os problemas característicos do verão. Seminário realizado em 7 de novembro no Ministério das Cidades, em Brasília, reuniu informações para a elaboração e implementação de planos de expansão urbana e medidas de gestão do solo urbano, com o objetivo de aumentar o controle de enxurradas e deslizamentos nos períodos críticos. No seminário, foram apresentados seis manuais elaborados ao longo de quatro anos de cooperação internacional e as perspectivas de parcerias para a melhoria das atividades de gestão de riscos e desastres no país.
As características geográficas do Brasil contribuem para a ocorrência de desastres, como explicou o consultor do Senado Joaquim Maia Neto, mas é a ocupação inadequada do solo que, segundo ele, aumenta a vulnerabilidade da população.
— A maior parte das pessoas afetadas vive em regiões muito populosas, como o Sudeste. Lógico que o fator climático interfere, mas são as ações negativas causadas pelo próprio ser humano que potencializam esses desastres, tornando seus resultados ainda mais alarmantes — ponderou o consultor.
O último Anuário Brasileiro de Desastres Naturais publicado traz dados de 2013. Elaborado pelo Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), o anuário registrou 493 destrastres naturais e 183 mortes. As ocorrências que mais mataram foram deslizamentos, enxurradas, inundações e chuvas intensas.
Maia Neto considerou a sistematização dos dados importante para a adequada compreensão não só desses eventos, mas para a construção de cenários futuros e o planejamento necessário à proteção dos brasileiros vulneráveis a fenômenos meteorológicos.
— Esses números deveriam ser atualizados ano a ano e não o são por diversos fatores, inclusive políticos, quando há troca de mandatos, por exemplo. Mas qualquer ferramenta de prevenção, adaptação e até recuperação só se consegue realizar por meio de dados confiáveis e, por isso, eles são tão importantes — enfatiza.
A Defesa Civil é responsável por coordenar o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil. Em articulação com os governos locais e a população, são desencadeadas ações preventivas e de resposta aos desastres, seguindo o princípio da defesa comunitária. Segundo o Ministério das Cidades, R$ 277 milhões foram destinados a essa política no biênio 2013–2014.
As ações de alerta e monitoramento são feitas pelo Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres. Em 2016, o órgão realizou 2.071 reconhecimentos de situação de emergência ou estado de calamidade pública, em 1.449 municípios brasileiros. Esse reconhecimento autoriza benefícios especiais temporários, a exemplo da liberação do FGTS aos afetados.
O centro tem uma estrutura adaptada com salas de gestão de crises, monitoramento e operações, que atuam 24 horas por dia, inclusive nos fins de semana e feriados, além de equipe técnica composta por analistas de sistemas, engenheiros, geólogos, meteorologistas, químicos, assistentes sociais e estatísticos. Cabe ao centro consolidar as informações sobre riscos no país, os dados relativos à ocorrência de desastres naturais e tecnológicos e os danos associados. A partir das informações recebidas e trabalhadas no centro, é possível dimensionar o apoio federal nas ações de resposta nos cenários de desastres.
Um aplicativo que permite informação em tempo real sobre chuvas também deve ajudar a população a se prevenir nos casos de eventos extremos. Denominada de SOS Chuva, a ferramenta foi desenvolvida pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), sob a coordenação do pesquisador Luiz Augusto Machado.
Disponível gratuitamente na PlayStore e Apple Store, o aplicativo foi desenvolvido a partir das imagens fornecidas por um satélite geoestacionário que cobre a América do Sul. Por enquanto, apenas os relatos de chuvas podem ser visualizados em todo o Brasil.
Machado explica que a ferramenta não faz previsão: informa onde estão acontecendo as precipitações, para que os cidadãos evitem se protejam.
— Quando há acesso a informações de quando, onde e quanto vai chover em determinado lugar, a população evita uma série de acidentes em decorrência de quedas de árvores, deslizamentos de terra, raios ou inundações.
Outro instrumento, desenvolvido pelo Inpe, sob a coordenação do pesquisador Antonio Donato Nobre, é a Hand (sigla em inglês para “altura acima da drenagem mais próxima”). A ferramenta trabalha com um algoritmo que determina a que distância vertical a água subterrânea está da superfície e, por conseguinte, as possibilidades de que a água carreada por chuvas ou outras fontes sejam absorvidas. Por meio desse instrumento, identificam-se áreas com risco de enchentes, deslizamentos de terra e outros desastres naturais.
— Trata-se de um modelo digital com variadas aplicações, sendo uma das mais importantes o mapeamento avançado e generalizado de áreas de risco e vulnerabilidade a cheias e outros desastres naturais — explica Nobre.
O modelo foi integrado ao Google Earth, livre para qualquer usuário da internet, o que permite a todos os órgãos da Defesa Civil, em qualquer parte do Brasil, acesso rápido às informações, com possibilidade de planejamento de operações de retirada de pessoas de áreas de risco e prevenção de desastres, especialmente os deslizamentos de terra.
Quando não há prevenção ou ela falha, resta a prestação de ajuda às vítimas. Projeto de Sérgio Petecão (PSD-AC) modifica o Cartão de Pagamento de Defesa Civil, ampliando seu alcance para famílias atingidas por desastres naturais. O PLS 102/2015 destina um valor que poderá ser usado para aquisição de material de construção, alimentos e outros itens de primeira necessidade para quem perde tudo com a chuva.
Atualmente, o recurso é liberado pelo Ministério da Integração Nacional para servidores ou empregados públicos desenvolverem ações de defesa civil, de assistência às vítimas e de restabelecimento de serviços essenciais. Petecão argumenta que o auxílio financeiro por meio do cartão tornará mais eficiente o atendimento a vítimas, sem a necessidade de intermediação de servidores ou empregados públicos.
— É o cidadão que foi atingido pelo desastres que sabe do que precisa, se é um remédio ou um alimento, por exemplo. Portanto, é essa pessoa quem deve administrar o recurso — disse o senador.
O relator, Tasso Jereissati (PSDB-CE), é favorável ao texto, que aguarda para ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
O Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) envia informações por e-mail para as defesas civis estaduais e municipais quando ocorrem alertas encaminhados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Também envia alertas via mensagem de texto para a população em áreas de risco.
Para recebê-los, o usuário deve responder para o número 40199 com o CEP de seu interesse. Ao fim do cadastro, o cidadão é informado que o celular está apto a receber alertas de inundações, alagamentos, temporais e perigo de deslizamentos de terra.
Essa estratégia de advertência de desastres naturais começou a ser utilizada no Japão em 2007. Atualmente, mais de 20 países, entre eles Canadá, Chile, Bélgica e Filipinas, contam com serviços semelhantes.
Desde outubro, os moradores do Paraná e de Santa Catarina já podem cadastrar linhas móveis para receber essas mensagens. Até o final deste mês, o serviço começará a ser oferecido em São Paulo.
Os moradores do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo poderão cadastrar números móveis no sistema de alertas a partir de 18 de dezembro. Logo depois, em 15 de janeiro de 2018, será a vez de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. Em 19 de fevereiro de 2018, Distrito Federal, Mato Grosso e Tocantins poderão fazer o cadastro. Os demais estados serão inseridos em 19 de março de 2018.
A aproximação da temporada de chuvas é o sinal para que o país comece a se preocupar também com a proliferação do Aedes aegypti. Atualmente, o vetor que transmite dengue, zika e chicungunha está presente em 4.870 municípios, o que representa mais de 84% das cidades.
Cabe ao Ministério da Saúde orientar o trabalho das prefeituras no combate ao mosquito por meio da Sala Nacional de Coordenação e Controle, que envolve equipes multidisciplinares.
— As doenças endêmicas envolvem diversos fatores. Exemplo é a ocupação desordenada nos centros urbanos, a falta da regularidade no abastecimento de água em muitas cidades, a política de coleta de lixo, o desmatamento e o aquecimento global — explica o Coordenador-geral dos Programas Nacionais de Controle e Prevenção da Malária e das Doenças Transmitidas pelo Aedes, Divino Martins.
Segundo ele, campanhas de estímulo à participação comunitária têm sido desenvolvidas:
— O país vem se preparando de diversas formas, inclusive trabalhando muito a comunicação para elevar o nível de informação das pessoas.
Ao Ministério da Saúde cabe descentralizar os recursos e exigir o cumprimento de metas.
— Os municípios são obrigados a nos informar qual é o índice de distribuição espacial dos mosquitos por meio de três metodologias, que são eficazes para mostrar onde esses mosquitos estão instalados — explica.
Artur Hugen, com Agência Senado/Foto: Vladimir Platonow/Abr/Marcelo Pinto/A Platéia/Divulgação?
19 de Novembro, 2024 às 23:56