E os problemas são muitos:
Falta de adicionalidade
Um projeto só deveria ser classificável como MDL se, primeiro, gerasse reduções de emissões reais, adicionais e mensuráveis e, segundo, dependesse de fato das receitas dos créditos de carbono do MDL para se viabilizar. No entanto, essa situação claramente não se aplica às hidrelétricas analisadas. Pior ainda, podem ter sobrado recursos para pagar propina, pois as três hidrelétricas analisadas estão sob investigação da Operação Lava-Jato.
Omissão de emissões de metano
Pelas regras do MDL, hidrelétricas não são obrigadas a contabilizar as altas emissões de metano (CH4), um gás de efeito estufa, dos seus reservatórios. Também não contabilizam o CO2e resultante do desmatamento no entorno da sua implantação. Estudos indicam que essas emissões podem corresponder a até 50% das emissões totais de alguns projetos.
Risco de investimento
A Eletrobras solicitou os registros desses projetos no MDL entre 2014 e 2016. Muito depois, portanto, do colapso no mercado de carbono em 2012, que jogou o valor do crédito de carbono de US$ 20 para cerca de alguns centavos. Assim, a única esperança de transformar essas chamadas Reduções Certificadas de Emissões (RCEs – cada RCE corresponde a um crédito de carbono) não adicionais em dinheiro é “empurrando” esses projetos para novos (e se espera íntegros) mecanismos de mercado em formação na UNFCCC, Corsia e outros setores.
Falhas de integridade socioambiental
Inúmeros processos judiciais e conflitos fartamente noticiados pela mídia ligam esses empreendimentos a problemas, como: avaliações inadequadas dos impactos ambientais; liberação de licenças que desconsideram relatórios técnicos de Ibama e Funai e ignoram as medidas mitigatórias e de compensação exigidas; monitoramentos tendenciosos, realizados pelos próprios empreendedores; falha nas consultas às comunidades atingidas. Várias ações estão ainda em curso, mas é difícil não questionar os diversos impactos sociais e ambientais dos projetos de MDL dessas três usinas — que podem gerar quase 20% de todos os créditos propostos pelo Brasil para o período de 2020-2030.
Risco reputacional
Nas três usinas houve aumentos repentinos, substanciais e injustificáveis no valor das obras. A leitura do mercado (e da justiça, por meio da Operação Lava-Jato) é que o superfaturamento destinou-se a práticas maciças de corrupção e propinas. A própria Eletrobras já reconheceu que se empenha hoje em debelar os ilícitos que passaram a permear as atividades da empresa, como concorrência desleal, subornos etc. Algumas consequências disso são uma ação judicial de acionistas americanos da empresa, em Nova Iorque, e a exclusão da Eletrobras da carteira do KLP, um dos maiores fundos de investimentos do mundo, por alegado “risco inaceitável de corrupção massiva”.
Baixa credibilidade
Pesquisadores do Instituto de Ecologia Aplicada e do Instituto Ambiental de Estocolmo e Infras analisaram 5.655 projetos de MDL e concluíram que apenas 2% deles tinham grande probabilidade de possuírem adicionalidade e não estarem superdimensionados no cálculo de créditos de carbono a serem gerados. Mas há outros indícios da baixa confiança do mercado nesse mecanismo: a União Europeia não aceita projetos de hidrelétricas e de gás natural, por problemas ambientais, nem iniciativas brasileiras, chinesas e indianas, por falta de conformidade (compliance); o mercado de carbono da Califórnia igualmente recusa offsets lastreados por projetos do mesmo tipo dos que captam recursos via MDL no Brasil.
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