A reforma trabalhista mobilizou o Senado em 2017. Aprovado pelos deputados em abril, o projeto de lei da Câmara (PLC) 38/2017 passou por três comissões de senadores antes de ser votado em uma tumultuada sessão do Plenário. Para a oposição, a proposta do Poder Executivo retirava direitos dos trabalhadores. Para a base do governo, a matéria incentivava novas contratações.
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) foi a primeira a analisar a reforma trabalhista. O colegiado realizou três audiências públicas em conjunto com a Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Após os debates, o relator, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), manteve o texto aprovado na Câmara e rejeitou as 242 emendas apresentadas na CAE.
O PLC 38/2017 previa, por exemplo, a prevalência do acordado sobre o legislado (acordos entre patrões e empregados valem mais do que a lei), o fim da contribuição sindical obrigatória e a possibilidade de demissão sem a homologação do sindicato. A CAE também aprovou a extinção do contrato de trabalho por acordo (com redução do aviso prévio) e o fim do pagamento da hora in itinere – benefício pago pelo tempo de deslocamento do trabalhador até a empresa. O parecer foi aprovado no dia 6 de junho, por 14 votos contra 11.
A matéria foi votada na CAS apenas duas semanas depois. O senador Ricardo Ferraço manteve o relatório da CAE e considerou prejudicadas 227 novas emendas. Mas, na hora da votação, uma surpresa: por um voto de diferença (10 contra 9), os senadores derrubaram o relatório de Ricardo Ferraço e aprovaram um voto em separado do senador Paulo Paim (PT-RS) pela rejeição do PLC 38/2017.
Derrotada, a reforma trabalhista saiu da CAS na manhã do dia 20 de junho. Mas a base aliada correu para reverter o resultado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ): na tarde do mesmo dia, o relator e líder do Governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), apresentou um parecer favorável à proposta. A CCJ promoveu uma audiência pública e, na noite de 28 de junho, confirmou o texto da Câmara. A reforma trabalhista estava pronta para ser votada no Plenário.
O PLC 38/2017 chegou ao Plenário em regime de urgência. Mesmo sob os protestos da oposição, a maioria dos senadores aprovou um rito especial para apressar a tramitação da matéria. A votação foi marcada para o dia 11 de julho.
Naquela manhã, a oposição chegou mais cedo ao Plenário. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) abriu uma sessão não deliberativa e concedeu a palavra a parlamentares contrários à reforma trabalhista.
Quando o presidente Eunício Oliveira chegou ao Plenário, um grupo de seis senadoras ocupou a Mesa para tentar impedir a votação. Houve tumulto. Eunício Oliveira suspendeu a sessão, que só foi retomada seis horas depois – com a Mesa ainda ocupada pelas parlamentares.
— Vocês não vão mais presidir esta Mesa, porque eu estou presidindo. Então, eu vou presidir os trabalhos da Casa, regimentalmente, sem nenhuma agonia, sem nenhuma pressa, sem nenhum atropelo. Eu não vou fazer com os senhores e as senhoras o que fizeram comigo neste dia de hoje — reclamou o presidente.
Durante a votação, o senador Romero Jucá defendeu o texto aprovado pelos deputados. Mas anunciou que o Poder Executivo iria fazer “alguns ajustes” no texto após a sanção.
A jornada especial de 12 horas de trabalho por 16 de descanso, por exemplo, só poderia ser firmada por acordo coletivo, e não mais individual. A gestante e a lactante só trabalhariam em local insalubre por vontade própria, e não mais a pedido do empregador. A substituição de trabalhadores efetivos por intermitentes só poderia ocorrer após um prazo de 18 meses.
Quando o painel foi aberto, a reforma trabalhista estava aprovada: 50 votos a favor e 26 contrários. As 178 emendas apresentadas pelos senadores foram rejeitadas, inclusive três destaques de bancada contrários à proposta. A oposição alertou que a mudança na legislação pode fragilizar as relações de trabalho.
— É a terceirização ampla, geral e irrestrita. E todo mundo sabe que um trabalhador terceirizado recebe em média 24% a menos do que um trabalhador que faz a mesma função. De dez casos de acidente de trabalho, nove são com empresas terceirizadas. De dez casos de trabalho análogo ao trabalho escravo, nove são com empresas terceirizadas. A expectativa é que, em cinco anos, nós saiamos de 26% de trabalhadores terceirizados para 75% — afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Mas os aliados do governo defenderam a reforma para estimular a criação de novos postos de trabalho.
— Aqui não se está retirando nenhum direito. É impossível desconhecer que as relações de trabalho se modificaram ao longo do tempo. Elas se modificaram por causa da mecanização, da robotização e da informatização. É evidente que o desafio do século e da humanidade é gerar emprego — afirmou o senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
Com a derrota no Plenário, a oposição partiu para outra frente: a criação de uma Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho na Comissão de Direitos Humanos (CDH). O senador Paulo Paim sugeriu um cronograma para dar seguimento aos debates sobre o tema.
O plano prevê a realização de um seminário, 15 audiências públicas e diligências às cinco regiões do país até março de 2018. Em outra frente, um grupo de juristas deve analisar as sugestões da sociedade para a elaboração do novo Estatuto do Trabalho. O anteprojeto deve ser apresentado no dia 30 de abril, véspera do Dia do Trabalhador.
— Um verdadeiro Estatuto do Trabalho deve refletir a atual realidade do mercado, incluindo novas formas de trabalho e de relações trabalhistas, sem, contudo, deixar de observar os fundamentos do Estado Democrático de Direito: cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, como contraponto às alterações da reforma trabalhista — argumenta o senador Paulo Paim.
O presidente Michel Temer sancionou a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) no dia 13 de julho. Nenhum dos dispositivos aprovados por deputados e senadores foi vetado. Os "ajustes" anunciados durante a votação da matéria pelo líder do Governo, senador Romero Jucá, dependiam ainda da edição de uma medida provisória (MP).
O Poder Executivo só enviou a MP 808/2017 ao Congresso quatro meses depois da sanção da lei. O texto altera 17 artigos da reforma trabalhista. A maior parte das mudanças foi no trabalho intermitente. A medida provisória garante parcelamento das férias em três vezes, auxílio doença, salário maternidade e verbas rescisórias, mas proíbe o acesso ao seguro-desemprego no final do contrato.
A MP 808/2017 também acaba com a cláusula de exclusividade. Com isso, o trabalhador autônomo pode prestar serviço a mais de um empregador. Outra mudança é na jornada 12x36: o acordo individual para ajustar o horário especial só vale para a área de saúde. Nos demais setores, a jornada precisa ser firmada por meio de convenção coletiva.
Outra mudança é para as trabalhadoras gestantes. Elas são afastadas de atividade perigosas e, nesses casos, deixam de receber o adicional de insalubridade. Para as lactantes, o afastamento depende da apresentação de atestado médico.
Mas as novas regras também podem mudar. O texto enviado pelo Poder Executivo recebeu 967 emendas no Congresso, um terço delas apresentadas por senadores. As sugestões serão analisadas por uma comissão mista, que ainda aguarda a indicação dos senadores e deputados que vão compor o colegiado.
A reforma trabalhista, motivo de tantos embates em 2017, promete mobilizar o Congresso também em 2018. A medida provisória perde a validade em fevereiro, mas pode ser prorrogada até o dia 22 de abril.
Artur Hugen, com Agência Câmara/Agência Senado/Foto: Marcos Oliveira/AS
19 de Novembro, 2024 às 23:56