Campanha internacional tem sete espécies embaixadoras, das quais duas ocorrem no Brasil: Andorinha-de-bando e Maçarico-de-papo-vermelho
O Dia Mundial das Aves Migratórias (World Migratory Bird Day), é comemorado nesta quarta-feira (10/05). A data instituída pela Convenção sobre Espécies Migratórias (CMS, na sigla em inglês), em 2006, com objetivo de aumentar a conscientização da sociedade sobre a necessidade de conservação das aves migratórias e seus habitats.
A analista ambiental Krishna Bonavides, do Ministério do Meio Ambiente, destaca que, “por ser uma data de âmbito mundial, é uma ferramenta importante de sensibilização da sociedade sobre as ameaças que as aves migratórias enfrentam, sua importância ecológica e sobre a necessidade de cooperação internacional para conservá-las”.
Com o tema “O Futuro Deles É Nosso Futuro - Um Planeta Saudável para Aves Migratórias e as Pessoas", a campanha de 2017 tem como objetivo sensibilizar sobre a necessidade de uma gestão sustentável dos recursos naturais, demonstrando que a conservação das aves também é crucial para o futuro da humanidade.
INICIATIVA
Todos os anos, pessoas em diversas partes do mundo organizam eventos públicos, tais como festivais de aves, programas de educação, exposições e passeios de observação de pássaros para comemorar e dar visibilidade ao tema.
Esse é um dos objetivos do Encontro Nacional de observadores de Aves (Avistar 2017), que será realizado entre 19 e 21 de maio, no Instituto Butantan, em São Paulo. O evento promove o registro, conservação e conhecimento da avifauna brasileira, além de estimular uma relação saudável com a natureza, turismo responsável, ciência-cidadã e relação responsável dos usuários com as unidades de conservação.
Durante o Avistar, Pedro Develey, diretor da Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil, instituição parceira do MMA, irá falar sobre a “Aliança del pastizal”, uma iniciativa que tem como objetivo integrar o desenvolvimento do Pampa com a conservação da biodiversidade, por meio da promoção de técnicas de manejo favoráveis ao meio ambiente. A Alianza del Pastizal, representada no país pela Save Brasil, conserva mais de 100 mil hectares de campos nativos e 12 espécies de aves globalmente ameaçadas de extinção.
EMBAIXADORAS
O Dia Mundial das Aves Migratórias, neste ano, tem sete embaixadores, entre aves aquáticas e terrestres ou aves de rapina, que voam sobre diferentes partes do mundo, mas enfrentam ameaças semelhantes durante a migração. Das sete espécies embaixadoras, duas ocorrem no Brasil: andorinha-de-bando (Hirundo rustica) e Maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus).
Classificada na categoria Menos Preocupante (LC) na avaliação de seu estado de conservação, a andorinha-de-bando é uma espécie amplamente distribuída no mundo, podendo ser encontrada na Europa, África, Ásia, Américas e norte da Austrália. Segundo a analista ambiental Nadinni Oliveira, também do Ministério do Meio Ambiente, a ave está presente periodicamente em todo o território brasileiro, sendo vista principalmente entre setembro e março.
Já o maçarico-de-papo-vermelho é considerado como Criticamente em Perigo (CR) na Lista Nacional Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção. Krishna Bonavides conta que a subespécie que ocorre no Brasil (rufa) migra do Círculo Polar Ártico ao sul do Brasil, Uruguai e da Argentina, sempre em regiões costeiras e nunca dentro do continente, e passa o período não-reprodutivo no Brasil, havendo concentrações populacionais especialmente no Maranhão e no Rio Grande do Sul. “As principais ameaças descritas para a espécie no Brasil é o declínio da qualidade do habitat devido a atividades humanas nas praias”, explica.
CONVENÇÃO
A implementação da Convenção sobre Espécies Migratórias no Brasil é coordenada pelo Departamento de Conservação e Manejo de Espécies do Ministério Meio Ambiente. “Com isso, buscamos ampliar a representação sobre conservação de aves migratórias em fóruns internacionais e também, juntamente com o ICMBio, a implementação do Plano de Ação Nacional para Conservação de Aves Limícolas Migratórias”, informa Krishna Bonavides.
A Convenção sobre Espécies Migratórias (CMS) tem como objetivo conservar as espécies que migram tanto pela via terrestre, quanto marinha e/ou aérea, desconsiderando as fronteiras físicas entre os países e demandando esforços comuns e uma efetiva cooperação internacional. Trata-se de um acordo intergovernamental, concluído sob a coordenação da ONU Meio Ambiente.
No rumo das aves migratórias
Impulsionadas por fatores biológicos e ambientais, milhares de aves deixam anualmente suas áreas de reprodução e migram, percorrendo longas distancias para garantir a sobrevivência da espécie. Muitas se hospedam no Brasil
Todos os anos, o trinta-réis-ártico (Sterna paradisuea), uma avezinha preta e branca, com pouco menos de 40 centímetros, realiza um longo vôo de pólo a pólo. Durante nove meses, ele percorre mais de 20 000 quilômetros, do Circulo Polar Ártico até o limite da Antártida, e retorna, então, ao ponto de partida. Campeão absoluto entre as aves migrantes de longo percurso, o trinta-réis é seguido de perto, nessa maratona aérea, pelo batuiruçu (PIuvialis dominica). Este viaja 12 000 quilômetros, a uma velocidade de até 90 quilômetros por hora. desde o Pólo Ártico até os pampas argentinos. Como essas, milhares de aves de diferentes espécies, deixam seus lugares de origem, quando o inverno se aproxima no Hemisfério Norte, à procura de alimentos e temperaturas mais elevadas. Das cerca de 10 000 espécies que existem no mundo, mais de um terço migra, em maior ou menor grau, o que abrange dezenas de bilhões de aves em busca da sobrevivência.
Esse fenômeno é mais pronunciado no Hemisfério Norte, quando as aves cruzam a linha do Equador dirigindo-se para as áreas tropicais e subtropicais da América do Sul, África e Oceania, viajando sobre mares e desertos, picos nevados e grandes cidades. enfrentando tempestades, furacões e nevoeiros. Esse é o caso das mais de 6 milhões de andorinhas-azuis (Prognesubis) que todos os anos, no outono, batem asas do Canadá, Estados Unidos e norte do México e parte delas vem desembarcar no interior de São Paulo. Também um número incontável de maçaricos-brancos (Calidris alba), que se reproduzem na região ártica e cumprem uma rota migratória anual rumo à Terra do Fogo, costumam parar para um merecido descanso na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, onde se deliciam com moluscos e pequenos crustáceos.
Ou então, na Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. Também, desde 1983, os arranha-céus paulistanos abrigam, de outubro a fevereiro, um hóspede ilustre que vem da Groenlândia: o falcão peregrino (Falco peregrinus), ave rara com menos de 1000 exemplares catalogados no mundo.Pela dimensão do território brasileiro, a chegada de diversas aves migratórias pode passar despercebida para a maioria da população, até porque as condições geográficas não favorecem grandes concentrações num único ponto. Mesmo assim, sabe-se que o país recebe todos os anos cerca de 123 espécies visitantes de longo percurso que aqui desembarcam para férias forçadas.
Trata-se de um número expressivo se comparado com o número de espécies ? 1 1620 ? que compõem a avifauna nacional.Esses hóspedes emplumados não vêm apenas do norte. Cerca de 37% das aves que visitam o Brasil migram no sentido sul-norte. No outono, por exemplo, o andorinhão-das-tormentas (Oceanites oceanicus), deixa os ninhos no limite do continente antártico para alcançar o Norte do Canadá e nesse percurso pousa em alguns trechos do litoral verde-amarelo.
Na mesma época, bandos de biguás (Phalacrocoracx olivaceus) fogem da Argentina para aterrissar no Pantanal ou nos lagos do Sul. Para a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, convergem periódicamente mergulhões, biguás e diferentes espécies de marrecas. Diante desse surpreendente trânsito nos céus do planeta, é de se perguntar qual o motivo de tantas idas e vindas de aves, apesar dos inúmeros perigos que enfrentam no caminho. Os cientistas atribuem o fenômeno da migração ou invernada tanto a fatores endógenos ? que se originam no próprio organismo da ave ? quanto exógenos ? provocados pelo ambiente. Sabe-se, por exemplo, que as aves dispõem de um ritmo interno fixo, diário, por isso chamado circadiano e de um ritmo anual, denominado circanual.Tais ritmos biológicos sofrem alterações conforme a duração maior ou menor de dias e noites que varia com as estações do ano.
No inverno, por exemplo, as noites são mais longas. Em função disso, o organismo tem que passar por ajustes metabólicos, e quem os efetua é a glândula hipófise, depois de receber ordens do hipotálamo. Dessa forma, as aves sabem que o inverno se aproxima e é hora de migrar. E haja fôlego para voar milhares e milhares de quilômetros sem escalas.Isso só é possível porque a hipófise dá uma força, ativando funções hormonais que produzem uma camada de gordura debaixo da pele das aves, proporcionando-lhes o combustível necessário.No caso das aves que fazem vôos muito longos, sem paradas (non stop), essa gordura chega a representar mais da metade do peso total de seu corpo.
Os maçaricos, por exemplo, são mais resistentes que outras espécies de aves e aumentam em até 6% seu peso/dia. reabastecendo seus tanques de combustível rapidamente. Se de um lado essas gordurinhas a mais fornecem energia de outro representam rica fonte de alimentos. Por esse motivo e porque estão cansados da longa viagem, alguns tipos de maçaricos, como os que pousam no litoral paraense, popularmente chamados de pirão gordo, acabam se transformando em presa fácil dos pescadores, que os capturam com redes como se fossem peixes.Estudos mostram cálculos interessantes sobre o rendimento dessas reservas de gordura. Um beija-flor americano, por exemplo, que pesa 2,5 gramas, se ganhar mais 2 gramas de gordura, é capaz de voar durante 26 horas, percorrendo uma distância de 976 a 1040 quilômetros, sem parar.
Os pesquisadores também constataram que as gônadas nas aves ? glândulas sexuais ? se desenvolvem acentuadamente antes da reprodução. Isso ocorre quando é primavera no Hemisfério Norte (outono, no Sul) e esse é o sinal para que elas empreendam a viagem de volta aos locais de origem ? único lugar onde conseguem se reproduzir.As primeiras análises sobre as migrações remontam à Grécia antiga. O célebre filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) já constatava que espécies como os pelicanos e os grous migravam, enquanto a cotovia, o melro e a rola entravam em profundo estado de letargia invernando em refúgios escondidos. Essas observações se perpetuaram através do tempo, até que no século XVI, o ornitólogo francês Pierre Belon verificou que, com a chegada do inverno, muitas aves deixavam a França indo para o norte da África, onde meses antes não eram avistadas.
A partir daí, os pesquisadores começaram a demolir a teoria da hibernação e a tentar classificar as espécies viajantes, descobrir as rotas que empreendiam e entender os fatores que provocavam o deslocamento. Mesmo assim, restam algumas incógnitas. Uma delas é a orientação do vôo. No caso das aves que voam de dia, como as andorinhas, o falcão peregrino, cegonhas e flamingos, os estudos científicos apontam oara a chamada memória da espécie, ou seja, seguem uma determinada rota orientando-se por acidentes geográficos (rios, lagos, montanhas) perfeitamente conhecidos por bandos organizados de vôo.
Mas e os maçaricos, marrecos e outras espécies que preferem voar à noite? Sabe-se apenas que é possível guiar-se pelas constelações, conforme demonstrou o ornitólogo alemão Frieder Sauer, realizando experiências no Planetário de Bremen. Ele capturou vários exemplares de currucas, pequenos pássaros europeus de cor acinzentada, e os colocou durante o período migratório em uma ampla abóbada que reproduzia artificialmente o céu noturno. Tão logo se recuperaram do susto inicial, os pássaros se alinharam a Sudeste, orientados pelas estrelas, prontos para seguir rumo aos países do Oriente Médio, onde tradicionalmente invernam.
Não satisfeito, Sauer projetou na abóbada os céus da Alemanha, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e Turquia e, mais tarde, de Chipre. Nesse momento, as currucas mudaram de rumo em direção ao sul para alcançar o Vale do Nilo, no Egito. O ornitólogo constatou que elas se orientavam pelas constelações. Outros estudos tendo as andorinhas da espécie Hinundo rústica como cobaia, revelaram a existência de verdadeiros instrumentos de navegação, como relógio, barômetro, emissor e receptor de infra-sons, bússola e analisador de luz polarizada em seus diminutos cérebros.Teoricamente, o relógio permitiria à ave precisar com exatidão a hora do dia e interpretar a posição do Sol e das estrelas. O barômetro, instrumento de medir a pressão atmosférica. detecta as massas de ar e as tempestades que se aproximam.
O emissor e receptor de infra-sons permitem às andorinhas receber as vibrações sonoras características de cada zona do planeta. A bússola, por sua vez, faz com que elas verifiquem a cada instante suas posições dentro do campo magnético da Terra.Por fim, o analisador de luz polarizada possibilita a perfeita visão das tramas ? invisíveis ao olho humano, como os raios infravermelhos ? que, variando segundo a hora do dia, formam a luz solar ao entrar em contato com a atmosfera. Acertadas ou não, estas particularidades ajudam a justificar fatos aparentemente inexplicáveis, como, por exemplo, o de um elevado número de andorinhas que foram levadas de avião da Alemanha para Madri, Londres e Atenas.
Elas regressaram a seu destino de origem poucos dias depois, mesmo sem nunca terem freqüentado aquelas regiões.Hoje, os conhecimentos que se têm sobre as aves migrantes avançaram graças a diferentes métodos de rastreamento. O mais sofisticado deles está na tentativa de acompanhá-las por meio de satélites. Basta colocar nelas um minúsculo radiotransmissor e captam-se os deslocamentos com uma margem de erro de 350 metros.
O problema é que o custo unitário dessa operação, em torno de 3 500 dólares, obriga os pesquisadores a adotar um sistema mais antigo e convencional ? as clássicas anilhas? de plástico ou metal ? cujo peso nunca ultrapassa 1% do peso das aves. As de plástico colorido são as mais usadas, pois a cor ajuda a identificar o país de origem ? a azul é a usada no Brasil.Cada anel leva um código formado por uma letra e cinco números que nunca se repetem. Traz também o endereço da organização responsável, para, em caso de recuperação, ser avisada. No Brasil, quem realiza esse trabalho é o Cemave, Centro de Estudos de Migração de Aves, vinculado ao Ibama, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (veja quadro). A desvantagem do método é que ele não permite um completo acompanhamento dos deslocamentos.
Mesmo assim, a prática do artilhamento é largamente difundida em todos os continentes, inclusive na Antártida.Quando anilha uma ave, o pesquisador deve anotar numa ficha os dados pertinentes, como data e local do anilhamento, número do anel, e medidas como o peso e o tamanho das asas. Eles serão úteis para interpretação e para conhecer o deslocamento da ave, caso ela seja recuperada.
Artur Hugen, com informações do MMA/Foto: MMA/Divulgação
19 de Novembro, 2024 às 23:56