Ao mesmo tempo em que as mulheres demonstram ter mais consciência da violência doméstica, uma parcela menor de vítimas tem procurado delegacias e centros de referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.
É o que aponta pesquisa qualitativa inédita Aprofundando o Olhar sobre o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, realizada pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) em conjunto com o Instituto de Pesquisa DataSenado.
De acordo com o levantamento, que entrevistou 19 autoridades vinculadas a órgãos atuantes no enfrentamento à violência contra as mulheres, os serviços de apoio a mulheres vítimas de violência e campanhas de esclarecimento sobre os direitos das mulheres têm permitido que mais brasileiras reconheçam e denunciem agressões sofridas no ambiente doméstico.
Mas apenas uma em cada três mulheres afirmou ter buscado a intervenção do Estado para enfrentar a violência sofrida.
O estudo, divulgado nesta semana, é um desdobramento da edição de 2017 da Pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada pelo DataSenado, em parceria com o OMV que apontou aumento expressivo no percentual de mulheres que declararam ter sofrido algum tipo de violência doméstica. De acordo com o levantamento, de 2015 para 2017, o índice passou de 18% para 29%. A pesquisa, feita a cada dois anos desde 2005, sempre apontou resultados entre 15% e 19%.
A elevação no número de mulheres que declararam ter sido vítimas de algum tipo de violência doméstica registrada em 2017 não significa necessariamente um crescimento real dos casos, mas revela que as mulheres reconhecem mais as agressões sofridas, conforme a nova pesquisa. Ao mesmo tempo, um percentual menor de mulheres afirma ter procurado ajuda: subiu de 15%, em 2013, para a 27%, em 2017, o percentual de brasileiras que afirmou não ter tomado qualquer atitude após a última agressão sofrida.
De acordo com a nova pesquisa, as vítimas muitas vezes deixam de denunciar a agressão por dependerem economicamente do autor da violência, por medo de não conseguirem sustentar a si e a seus filhos. Ou ainda, nos casos em que não há dependência econômica, por vergonha da reação da família, dos amigos e da sociedade em geral.
De acordo com vários especialistas entrevistados para a pesquisa, a ligação afetiva com o agressor e o medo de represálias são outros fatores que impedem uma mulher de denunciar.
Outra dificuldade para romper o ciclo de violência doméstica está na desconfiança de muitas mulheres em relação as medidas restritivas previstas na Lei Maria da Penha e na prestação de serviços por parte do Estado: 20% das mulheres entrevistadas acreditam que a Lei Maria da Penha não protege as mulheres enquanto 53% delas afirmaram que a lei protege apenas em parte.
Segundo Henrique Ribeiro, coordenador do OMV, em muitos casos a vítima quer apenas que a violência cesse, o que nem sempre ocorre com a condenação do agressor, ou com a concessão de medidas protetivas de urgência. Segundo ele, muitas vezes, é preciso assegurar a essa mulher em situação de vulnerabilidade serviços para ajudá-la a lidar com traumas psicossociais, bem como a aumentar sua autonomia.
— Ao mesmo tempo em que as mulheres demonstram ter mais consciência da violência doméstica, o percentual de mulheres que não tem buscado o Estado aumentou. Nossa hipótese é que o problema está no tipo de opção que o Estado dá que é combater a violência revidando. Isso tem afastado muitas mulheres. A mulher pode levar muito tempo para fazer a denúncia se a única solução é prender. A mulher muitas vezes não quer que o marido seja preso ou que em razão da denúncia perca o emprego. Ela quer que a violência apenas cesse – disse Henrique Ribeiro, coordenador do OMV.
O estudo qualitativo faz um diagnóstico acerca do desempenho das políticas públicas de enfrentamento da violência contra a mulher e indica alternativas para que as ações da área sejam mais efetivas. Dentre elas, assegurar a agilidade na concessão de medidas protetivas; realizar um monitoramento eficaz do cumprimento dessas medidas restritivas; buscar que o processo civil caminhe em conjunto com o processo criminal e assegurar o atendimento psicossocial da mulher, de seus filhos e também do autor da violência.
Outras ações destacadas para tornar o enfrentamento à violência contra as mulheres mais efetivo incluem criar novas portas de entrada para a rede de apoio e buscar modelos de intervenção regionalizados, criando unidades de suporte às vítimas em um número maior de municípios.
Uma sugestão é capacitar Centros de Referência de Atendimento Social (CRAS), que atuam, por exemplo, no cadastramento de beneficiários de programas de transferência de renda como o Bolsa-Família. A ideia é que, no momento em que as mulheres buscam um atendimento desses serviços, o entrevistador seja capaz de identificar um quadro de violência doméstica.
Segundo Henrique Ribeiro, a ideia do estudo qualitativo não é trazer respostas definitivas sobre o problema, mas tentar compreender melhor os dados das últimas pesquisas e contribuir para aprimorar as políticas públicas de combate à violência doméstica.
— A ideia é conversar com mais especialistas, receber críticas e ajudar a melhorar esse diagnóstico – apontou.
Aprofundando o Olhar sobre o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres é um estudo realizado entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018 com base em 19 entrevistas em profundidade com autoridades vinculadas a órgãos atuantes no enfrentamento à violência contra as mulheres nas cidades de Feira de Santana (BA), Goiânia, Palmas, Santa Maria (RS) e Lavras (MG).
Artur Hugen, com Agênciam Senado/Foto: Pablo Valadares/AS
O DataSenado é vinculado à Secretaria de Transparência do Senado.
19 de Novembro, 2024 às 23:56