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No Brasil, Fórum Mundial da Água anuncia espaço maior para movimentos sociais

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Parlamento terá dia especial no Fórum Mundial da Água

Brasília sedia a desde ontem (domingo 18), a 8ª edição do Fórum Mundial da Água, organizado pelo Conselho Mundial da Água, pelo Ministério do Meio Ambiente, representado pela Agência Nacional de Águas (ANA), e pelo governo do Distrito Federal, representado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa).

É o maior evento sobre a temática no mundo e acontece pela primeira vez no hemisfério sul. As mais de 200 atividades e sessões de debates relacionadas ao Fórum seguirão até sexta-feira (23), no Centro de Convenções e no estádio Mané Garrincha. A abertura oficial está marcada para as 9h de segunda-feira (19) no Palácio do Itamaraty, com a presença dos presidentes da República, Michel Temer, do Senado, Eunício Oliveira, e de diversas outras autoridades nacionais e internacionais.

Os organizadores calculam que cerca de 45 mil pessoas de 150 países devem participar desta 8ª edição, que conta ainda com feiras de negócios, exposições e diversas atividades culturais na Vila Cidadã.

Para esta edição, o Fórum selecionou 200 organizações sociais ligadas ao direito à água, para que pudessem participar oficialmente do evento, por meio de um representante. São organizações que não teriam condições de arcar com os custos financeiros ligados à participação, mas que estão tendo suas despesas de locomoção e estadia bancadas pelos organizadores do Fórum.

Chamado de "Programa de Apoio à Participação da Sociedade Civil", contará com ativistas de dezenas de países da África, Ásia e América Latina, além de movimentos sociais brasileiros. De acordo com o site do Fórum, essas entidades possuem "um enorme potencial de contribuição e engajamento" nos processos decisórios, visando o uso sustentável e racional da água.

Mudanças climáticas

No leque de temas para a 8ª edição, uma das prioridades serão as mudanças climáticas. Segundo anuncia o Conselho na página oficial do evento, "os impactos da mudança do clima se manifestam primeiro e mais fortemente por meio da água". Isso porque a mudança do clima significa a mudança do ciclo hidrológico, dos padrões de distribuição de precipitação, das vazões de escoamento dos rios e da ocorrência de eventos extremos.

"Afeta a disponibilidade hídrica para as diferentes atividades humanas e expõe populações a eventos hidrológicos críticos mais frequentes. Os recursos hídricos, por seu caráter transversal, devem estar também no centro das ações de adaptação, o que requer políticas, planejamento e atuação articulados, envolvendo governos, setores e sociedade", explicam os organizadores.

Ecossistemas

Outro tema a ser estimulado no Fórum será a preservação dos ecossistemas, que são fortemente dependentes da presença de água em quantidade e qualidade adequadas.

"São de importância crucial o monitoramento, a gestão e a recuperação dos ecossistemas aquáticos. É essencial aumentar os esforços para valorizar o papel ecológico dos ecossistemas aquáticos e dos serviços ambientais em sua relação com a água", pontuam os organizadores.

O Conselho Mundial da Água, que organiza o Fórum, é uma organização internacional que reúne cerca de 400 instituições relacionadas à temática de recursos hídricos em 70 nações. Esse Conselho é composto por representantes de empresas, governos, universidades e ONGs.

Debatedores defendem a água como bem comum, livre de interesses de mercado

A água não pode ser tratada como um produto de mercado, e sim como um bem comum, um meio de sobrevivência, e seu acesso para o consumo deve ser universal. Esse foi o enfoque dominante entre os participantes do Colóquio Latino-Americano Água, Vida e Direitos Humanos promovido ontem pelo Ministério Público Federal em parceria com o Senado.

Ao abrir as discussões, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, reforçou a ideia de que Parlamento, Justiça, governo e sociedade devem lutar pelo direito de todos ao acesso à água potável. Ela reconheceu que o Brasil tem uma das legislações mais avançadas na temática da água, expressa na Constituição, no Código Brasileiro de Águas, no Código do Consumidor e na legislação ambiental. Para Dodge, o Brasil está preparado para resolver conflitos, mas é preciso que se trate do principal deles:

- É o conflito sobre o mínimo existencial para cada um sobreviver. A água para cada um de nós é suficiente? Tem sido garantida nas legislações? Muito importante que aproveitemos o 8º Fórum Mundial da Água pra quem sabe sermos pioneiros para o mundo nesse tratamento da Água como um direito humano - conclamou a procuradora.

O presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas e da subcomissão que acompanha o 8º Fórum Mundial da Água, senador Jorge Viana (PT-AC), lembrou que a Organização das Nações Unidas somente estabeleceu a água como direito humano em 2010. Para Viana, é preciso um esforço global de valorização da água para a dignidade humana. E O maior desafio, no caso do Brasil, além da legislação, é implementar ações e garantir mais recursos.

- O desafio que temos também são os investimentos, que praticamente cessaram nos últimos três anos, na área de saneamento e captação de água potável. Tecnologia nós dispomos, leis boas, nós temos, mas, na prática, o mundo segue piorando do ponto de vista do acesso à água de qualidade e o perigo é de nós termos aí mais um produto. Tudo aquilo que é essencial pra vida não pode virar uma simples mercadoria - defendeu Viana.

Também presente ao Colóquio, o senador Roberto Muniz (PP-BA) disse que o saneamento e o acesso à água de qualidade foram os maiores avanços da humanidade para a redução da mortalidade e aumento da expectativa de vida, mas lamentou a desigualdade no acesso à água.

- Nós vivemos um paradoxo da abundância, ninguém consegue entender como num país que possui 12% da água doce do mundo se vive uma crise hídrica. Vivemos um verdadeiro apartheid social - comparou.

Já o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) lembrou as responsabilidades de cada um, e disse que o direito à água vai continuar não existindo se não for passado às futuras gerações a responsabilidade de cada um sobre a economia de água.

Direito humano

O ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha, citou o saneamento como questão fundamental no debate sobre acesso à água. E pediu empenho do Congresso Nacional na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 4/2018) que estabelece o acesso à água como um direito fundamental humano.

- Nossa Constituição hoje estabelece uma série de direitos como o à saúde, ao lazer, à vida, mas não determina o acesso à água como direito fundamental. Mas sem água, não há saúde, não há lazer, não há vida - disse.

Na visão da Diretora de Direito, Política e Governança Ambiental da Organização dos Estados Americanos, Claudia Windt, o Brasil possui muitas leis boas e o grande desafio é implementá-las. Para ela, água é um bem, um recurso e um serviço. Já a Senadora mexicana e presidente da União Interparlamentar, Gabriela Cuevas, lembrou dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, adotados em 2015. Um deles trata do dever da comunidade internacional de assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos.

Carlos Teodoro Irigaray, professor da Universidade Federal do Mato Grosso,  elogiou o empenho do Brasil em debater e avançar em leis sobre o direito à água, mas receia que isso não seja suficiente para frear retrocessos. Ele lembrou que apesar de o Brasil ser um país com abundância de água, 2/5 da população não têm saneamento básico e 10% não tem acesso à água de qualidade. Irigaray citou ainda o uso abusivo de agrotóxicos que contaminam as águas e a população, além de desastres ambientais gerados por mineradoras, como o que ocorreu pela mineradora norueguesa Hydro Alunorte, na cidade de Barcarena, na região metropolitana de Belém.

- Isso certamente não aconteceria na Noruega. Precisamos barrar as falhas de licenciamento ambiental - propôs.

Segundo a promotora do Ministério Público da Bahia, Luciana Koury, a crise hídrica não é ocasionada apenas pela escassez de chuvas. A degradação e a flexibilização do licenciamento ambiental, geram ainda maiores problemas para o efetivo acesso à água. Já o professor da Universidade de Buenos Aires, Argentina, Pablo Lorenzetti, ressaltou a necessidade de limitar o valor das tarifas de água. Ele citou um decreto editado pelo governo argentino em 2014, que aumentou o valor da tarifa de água em 180%. A sociedade reagiu e o decreto foi revogado.

Durante o Colóquio ainda foram ouvidos especialistas, magistrados e representantes de países como Equador, República Dominicana, Costa Rica e México. O Colóquio Latino-Americano Água, Vida e Direitos Humanos aconteceu na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

O direito dos cidadãos à água e o trabalho dos parlamentos mundiais para garantir o acesso irrestrito da população a esse bem serão o foco da conferência parlamentar "O papel dos parlamentos e o direito à água", que começa nesta terça-feira (20), às 9h, e marca a participação política no 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília (DF).

O Senado tem participação efetiva na organização do evento, que contará com a presença de mais de 100 parlamentares de vários países. Para a abertura, foram convidados o presidente do Senado, Eunício Oliveira, o presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, Fernando Collor (PTC-AL), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a presidente da CRE da Câmara, deputada Bruna Furlan (PSDB-SP).

Serão três sessões ao longo do dia com participação de senadores e deputados de diversos países, além de painéis com juízes e promotores.

— O tema é de importância mundial. Nós já estamos com mais de 100 parlamentares inscritos e o tema a ser discutido é o papel do parlamento e o direito à água. O Senado tinha obrigação de fazer parte disso — explicou o presidente da Subcomissão do Fórum Mundial da Água, senador Jorge Viana (PT-AC).

Os parlamentares, de pelo menos 19 países, vão discutir experiências, impressões e mudanças necessárias sobre o tema com especialistas. Congressistas da Argélia, Argentina, Bolívia, Burundi, Congo, França, Gana, Guiana, Irã, Quênia, Malawi, México, Marrocos, Nigéria, Paquistão, Portugal, São Cristóvam e Névis, Coréia do Sul e Suriname são presenças confirmadas no debate, além do Brasil.

A programação da terça-feira se encerra com uma visita ao Palácio do Congresso Nacional.

Parlamento terá dia especial no Fórum Mundial da Água

O Centro de Convenções Ulysses Guimarães também abrigará reuniões com parlamentares para tratar de temas como o fortalecimento das capacidades dos governos locais para o abastecimento de água; o planejamento hídrico de cidades; saneamento urbano; e a preparação das cidades para a manutenção do abastecimento considerando os riscos hidrológicos.

Também serão assuntos em pauta: a discussão sobre a adoção de uma "hidro-diplomacia", para tentar resolver conflitos que emergem da agitação civil, migração em massa e de insurgência resultantes de crises hídricas; a vivência de inundações e secas, e os desafios hidrológicos que cidades enfrentam resultam da forma como elas são — ou não — planejadas; e quais as estratégias que cidades e regiões, desde a conservação até a reciclagem de águas residuais, estão adotando para tirar o máximo proveito de cada gota.

Participantes

Do Brasil, pelo menos 15 senadores já confirmaram a participação no Fórum: Jorge Viana (PT-AC), Cristovam Buarque (PPS-DF), Elmano Férrer (PMDB-PI), Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Hélio José (PROS-DF), José Medeiros (PODE-MT), José Pimentel (PT-CE), Lindbgerh Farias (PT-RJ), Fátima Bezerra (PT-RN), Regina Sousa (PT-PI), Otto Alencar (PSD-BA), Pedro Chaves (PRB-MS), Roberto Muniz (PP-BA) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

Outros 14 deputados também irão ao evento: Alan Rick (DEM-AC), Augusto Carvalho (SD-DF), Dilceu Sperafico (PP-PR), Domingos Sávio (PSDB-MG), Evair Vieir (PV-ES), Evandro Gussi (PV-SP), João Paulo Papa (PSDB-SP), Leopoldo Meyer (PSB-PR), Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE), Renato Andrade (PP-MG), Sérgio Souza (PMDB-PR), Tereza Cristina Dias (DEM-MS) e Valdir Colatto (PMDB-SC).

Dever de casa

Há algum tempo, o Senado vem se mobilizando a respeito da água, de seu melhor uso e da sua conservação. Tramitam hoje na Casa mais de 60 proposições tratando do tema. O senador Jorge Viana é autor da PEC 4/2018, para incluir na Constituição o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais. A intenção é constitucionalizar no Brasil o direito humano à água estabelecido pela Resolução 64/292, de 2010, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Entre as propostas há ainda o PLS 58/2016, também de Jorge Viana, que traz regras para o abastecimento de água por fontes alternativas, estimulando o reuso de água e o aproveitamento de água da chuva, e o PLS 65/2017, da senadora Lídice da Mata (PSB-BA), que inclui a segurança hídrica no âmbito da Política Nacional de Recursos Hídricos e exige a elaboração de planos de segurança hídrica nacional e estaduais.

— A ONU diz que, em 2025, vamos ter 1,8 bilhão de pessoas sem acesso a água de qualidade e que provavelmente 700 milhões vão migrar para fugir da seca, da escassez de água. É preciso pensar o legado do fórum, de como é que a gente pode mudar a legislação, como é que a gente pode mudar o padrão de produção e consumo da sociedade, que leve em conta que água é algo fundamental para a vida humana — alertou Viana.

No dia 22 de fevereiro, o Senado realizou sessão temática sobre o fórum e instalou a Subcomissão Temporária do Fórum da Águacriada para fomentar o debate, ajustar as opiniões e afinar o discurso brasileiro no evento mundial.

Colóquio

Os senadores também participam neste domingo (18), do Colóquio Latino-americano “Água, Vida e Direitos Humanos”, na Procuradoria Geral da República (PGR). Especialistas, legisladores, juízes, membros do Ministério Público e professores de Direito Ambiental da América Latina deverão aprofundar sinergias entre os diversos atores que constroem e operam o Direito da Água.

Participam do debate representantes da PGR, o Congresso Nacional, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a ONU Meio Ambiente. O evento tem o apoio do Instituto “O Direito por um Planeta Verde” e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ressaltou que, pela primeira vez, o Ministério Público e o Judiciário terão participação ativa no evento. Ela também defendeu que a água seja incluída como direito humano fundamental no ordenamento jurídico nacional — como prevê a PEC 4/2018 — e frisou a necessidade de a sociedade estar atenta a qualquer discussão ou movimento que tenha como objetivo a privatização da água, de forma direta ou indireta.

Os principais objetivos do Colóquio são proporcionar o intercâmbio de experiências bem-sucedidas nas esferas jurídica, legislativa e extrajudicial na tutela do direito humano à água, alertar para a urgência do tema e, ao mesmo tempo, contribuir para a geração dos alicerces do direito hídrico, exemplo primordial da relação entre o direito humano e ambiental.

Artur Hugen, com Agência Senado/ Fotos: Eskinder Debebe/Un/Fábio Rodrigues Pozzebom//AgBr/Roque de Sá/AS/Divulgação