Bancada Sulista

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Segredos e mistérios na aventura de desbravar a primeira ligação entre Serra-Mar do Sul do Brasil

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De Bom Jesus, uma trilha antiga através da Escarpa da Serra Geral (Aparados da Serra no RS), ligando este município ao de Timbé do Sul-SC

Texto de Henrique Paulo Schmidlin – Vitamina

Intimados pela Professora Lucila Sgarbi, uma das proeminentes figuras responsáveis pelos encontros internacionais e brasileiros de Bom Jesus (RS), reunindo especialistas sobre Tropeirismo, queria a nossa avaliação das informações que recebera de São José dos Ausentes-RS, na pessoa do Cleber Pazini e seu irmão Júnior, do achamento de uma trilha antiga através da Escarpa da Serra Geral (Aparados da Serra no RS), ligando este município ao de Timbé do Sul-SC.

Realmente em fevereiro, junto com o geólogo Geraldo Barfknecht e veículo emprestado pela nossa anfitriã, perlustramos a área próximo ao Mirante e Rampa de Voo Livre, tomamos direção norte, partindo do topo da Rocinha. Realmente a encontramos, examinamos, percorremos pequena extensão, avaliamos e posteriormente analisando fotos satelitais, que o referido caminho corresponde a uma crista erosiva de 3 quilômetros, para um desnível de mil metros. Da rodovia até sua entrada, nos exigiu uma marcha de 3 km. Pelo campo, e desfrutando de inigualável, deslumbrante e inesquecível paisagem de vários ecossistemas da Mata Atlântica.

Qual a importância desse caminho? A resposta exige que recuemos no tempo da descoberta de ouro nas Minas Gerais, e exigia encontrar uma animália adequada a vencer as serrarias mineiras. A solução encontrada estava no lado espanhol do continente, quando esbarraram com o mesmo dilema: achar o melhor meio de transporte da prata das minas de Potosí: o muar. Com o esgotamento da prata em Potosi, Bolívia atual, nos l00 anos de exploração desenfreada, sobraram as mulas nos criatórios argentinos. Bastava buscá-las.

Assim começou o Ciclo do Tropeirismo que durou 147 anos. No início as mulas eram conduzidas pela praia, desde Colônia Sacramento, até seu embarque em Laguna ou prosseguiam pela costa no rumo norte. Face de premente necessidade desses animais, o Governador de São Paulo, Capitão General, governador da Capitania de SP, Antônio da Silva Caldeira Pimentel, “ordenou” em 09 de setembro de 1727, ao sargento-mór Francisco de Souza Farias, que abrisse um caminho partindo de Araranguá, proximidades da falésia, Morro dos Conventos (83 m) e transpor a extensa escarpa costeira, tendo antes cerca de 60 km de áreas pantanosas.

Obstinado e cumpridor, optou pela enorme canhada da Serra Velha, onde achou o único espigão que lhe permitiu atingir o planalto, iniciando os trabalhos em 11 de fevereiro de 1728 e após onze meses de intensa labuta, atravessou os territórios dos atuais municípios Araranguá, Ermo, de Turvo e Timbé do Sul, no litoral sul de SC e alcançou os campos planaltinos de São José dos Ausentes, RS.

Não durou muito tempo essa rota, pois em 1738, optou-se pelo caminho do padre matemático italiano Domingo Capassi (Viamão). O “comercio de mulas” não tem relação alguma com as “tropas arriadas” que vieram depois, esses indutores das aberturas de mais uma dezena de “passos” transpuseram a difícil escarpa com seus 250 km de extensão desde á áreas limítrofes do RS com SC, até o Platô das Pedras Brancas, além dos Campos dos Padres, em Alfredo Wagner, SC.

A localização do primeiro sendeiro suscitou tremendos debates e buscas para se saber por onde andou o Souza Faria, e só agora desvendado, abrigado na parte superior da escarpa, em terras da família Bandeira, e por isso dado sua relevância, a incluímos na programação de 2018, do XIV Seminário Nacional e XI Encontro do Cone Sul e V Tropeada Cristóvão Pereira de Abreu, que acontecem bi anualmente em Bom Jesus-RS e dado a relevância dessa trilha, abrimos as inscrições para a revitalização desse sendeiro sob quaisquer condições meteorológicas. Candidataram-se 30 pessoas, mas a chuva na véspera e aparência nada convidativa de domingo, esmoreceu o ânimo de muitos e ao final restaram 18, incluindo o motorista. 19 nos campos e turfeiras, parte de cima, com a paramédica de plantão, que nos acompanhou até o início da descida e o dever, obrigo-a voltar ao veículo de apoio, sendo que outro membro do SAMU de Bom Jesus, acompanhou-nos no trecho total.

Integraram esta primeira e inédita empreitada de resgate histórico, na ordem alfabética registramos: Aline Gomes da Silva, Alex da Rosa Boeira (guia de Bom Jesus), Cleber Pazini (guia principal de Ausentes), Diones Ramos Camargo (guia de Bom Jesus); Greicy Rovaris, Jandira Gomes da Silva, Luciane Fonseca Velho, Odon Santos Velho, Rogério Machado, Rosinara Garcia Paien, Roberto Gomes de Matos, Sergio Coelho de Oliveira (jornalista, historiador de Sorocaba), Silvestre Alves Gomes (professor, violonista de Ponta Grossa/Paraná), Tarcísio Fonseca Velho e Tatiane Moraes Remonti.

A prefeitura de Bom Jesus colaborou garantindo a condução de ida e resgate em Timbé do Sul. Partimos às 07.30 horas do CTG Presilha do Rio Grande em Bom Jesus, em demanda a São José dos Ausentes distante 40 km em puro asfalto Paisagem maravilhosa, de imensos campos ondulados, recheado de ilhas e ilhotas com matas e florestas de araucárias, incontáveis cursos de água e saber que as nascentes do Rio das Antas (Tebiquari antigo) nascem aqui, assim como profusão de outros, da bacia do Rio Pelotas, além de todos os da escarpa erosiva da Serra Geral, que formam a bacia litorânea do Araranguá. 3 grandes bacias hidrográficos e que riqueza!

Caberia ao governo federal criar um incentivo aos proprietários para mantê-los intactos nesta riquíssima região, que ainda é possível observar o “mar de gramíneas e herbáceas” dos Campos Sulinos e evitar a invasão dos Pinus e batateiros. As formações campestres, que restam em outras porções sulinas, hoje vivem mais em mapas e em nossas saudosas lembranças.

Fomos deixados na área do Mirante e Rampa de Voo 1245 m de altitude, no início da descida da Serra da Rocinha e caminhamos ao norte por 3 quilômetros em campo úmido com turfeiras, bordejando encantadora Mata Nebular, fustigados pelo vento frio, adentramos a área do nevoeiro denso, que nos obrigou recorrer as capas de chuva descartáveis. Visibilidade zero. Tão típica da Escarpa da Serra Geral, uma das regiões de maior precipitação pluviométrica do Brasil. Regionalmente, em palavras da Professora Lucila Sgarbi “quando o tempo vira, ocorre a “viração” e o nevoeiro, que chamamos no sul de cerração que aparece em qualquer horário, aparece em rolos. ”

Entrada da picada e o iniciar da descida, assinalada pelas vetustas taipas afuniladoras. Enfrentamos a mata de transição. Iniciamos a descida exatamente às 10.06 horas. Marcha sobre terreno adequado aos animais. Um declive não violento e arriscamos dizer, caminhada fácil. Interessante os enormes rebaixamentos do caminho significando sua intensa utilização e inclusive com diversos desvios para águas pluviais e evitar as erosões. Picada limpa, trabalho da equipe do guia Cleber Pazini, em um dia inteiro de labuta e em certa altura, com belíssimos exemplares de xaxim, em duas espécies, conforme o nível altímetro.

O pessoal se deliciou com as explicações e verdadeiras aulas do Geraldo abordando flora, geologia, história natural. Próximos ao final, toparmos com vestígios de muros de taipas (muros de pedras) e possíveis locais de espera, pernoites, aclimatadores evitando os perigosos choques térmicos, de tropas arriadas, cargueiras, que abriga uma nascente de água. Por muita sorte não tivemos uma tragédia: uma das garotas pisou em um filhote de jararaca e incrivelmente não reagiu. Conhecemos o outrora Pouso da Dona Nica, que conserva alguns remanescentes pilares arquitetônicos da sua moradia. Obviamente é edificação posterior a primeira fase do Tropeirismo (clássico tropas, mulas essencialmente, para de cargueiros litoral-serra).

Como já explicamos antes, é flagrante a intensa utilização outrora dessa trilha, quer no transporte de mercadorias e produtos do litoral para os planaltos, bem como no sentido inverso, de cima para o litoral, pelo afundamento do caminho. Impressionou-nos a força de vontade do Rogério Machado, que fez todo percurso apoiado nos bastões de caminhada, pois recentemente sofreu sério acidente motociclístico e submeteu-se a uma melindrosa cirurgia. Ao vê-lo não medindo esforços, se alguém ainda tinha dúvidas se tinha tomado a decisão correta do passeio em clima adverso, mas típico com denso nevoeiro, frio, recebeu uma forte dose de ânimo e vigor. Também destacar o tremendo esforço do sorocabano jornalista Sergio, que mesmo acometido de aguda câimbra em uma das pernas e somado a nevralgia lombar, sem reclamar, detectável quando acendia seu inseparável cigarro, cumpriu com louvor a descida.

Às 17 horas, já quase ao final, abriu-se o cenário até então bloqueado pela mata marginal. Adentramos em áreas de pecuária e aberta até a conclusão da marcha proposta. Nesse ponto abriu-se o cenário e nos propiciou um último desfrute paisagístico, com cerca de 1 km de desnível. Transposto a vau um pequeno curso d’água e uma subida final de trezentos metros, alcançamos a sede da fazenda proprietária dessa área, onde o ônibus nos aguardava. Totalizamos 05 horas e 37 minutos de caminhada, para um percurso total registrado de 9.500 metros. Em seguida, devido o fechamento da estrada da Serra da Rocinha, obrigou-nos executar extenso périplo. Motorizados, passando pela localidade da Rocinha (antiga Pindura, que consistia na venda de frutas aos tropeiros, pendurados na altura que não precisavam apear), em Timbé do Sul, rumo ao litoral, passando por Turvo, em que uma lombada colocou nossos ossos no lugar. Depois Ermo Jacinto Machado e parada na esquina da subida de Praia Grande (Serra do Faxinal), município perto da divisa com o RS, dos parques nacionais dos impressionantes cânions, rumo a Cambará do Sul, no Planalto Meridional (Campos e Capões de Serra Acima), em uma lanchonete que estava fechando suas portas, com mesas e cadeiras já recolhidas e empilhadas, mas dispostos a nos servir e improvisar sanduíches das mais variadas sugestões.

Impressionante que a região dos municípios antes citados, são ocupados pela rizicultura, extensas áreas da planície litorânea do sul de SC, com morrotes testemunhos de sedimentos da Bacia do PR, única região, juntamente com a divisa do RS (Torres e arredores) que a unidade geológica, que ocupa extensa área nacional chega ao mar). Ás 19,30 horas, reiniciamos a marcha, sob escuridão absoluta. Sergio bastante eufórico e deslumbrando a todos com suas histórias e Estórias, entremeado com as cantorias do Silvestre. A alegria plena viajava.

Viagem por certo inesquecível. Às 21,30 horas, passamos por Cambará do Sul. Ás 23 horas, por Jaquirana e chegarmos às 23,45 horas em Bom Jesus. No desembarque, a diligente funcionária do município patrocinador, Bom Jesus, Sra. Jandira Gomes da Silva, entregou o inédito certificado de participação a todos nós. O veículo munido de tacômetro não lhe permitia passar dos 40 quilômetros por hora e fomos muito bem conduzidos em todo o trajeto. As fotos aqui exibidas são lavra do querido Geraldo.

Não sei se seria o caso, mas talvez para um futuro distante, reunir todos esses municípios que transitamos em conjunto, assumirem a concretização dos futuros SENATROS (Seminários Nacionais de Tropeirismo e sua incrível gama de temas, como os Caminhos Históricos, muitos pré-cabralianos), incluindo a já famosa tropeada do Cristóvão Pereira de Abreu, figura proeminente do ciclo que anexou o RS e boa parte do PR e SC ao Brasil Colonial, entre outros feitos.

Em um primeiro momento, nós oferecemos para em um local a escolha dos queridos habitantes dos municípios dessa jornada que ninguém vai esquecer, para exibirmos a saga tropeira brasileira e opções de uso turístico-cultural da via, único trecho original da primeira “estrada” de tropas sob ordens de abertura da Coroa Portuguesa, através da Capitania de SP no Sul do Brasil, ligando o então Continente de São Pedro do Rio Grande aos Campos Gerais do PR, epopeia entre fevereiro de 1728 a setembro de 1730.

Henrique Paulo Schmidlin – Vitamina

VITAMINA – Henrique Paulo Schmidlin Como outros jovens da geração alemã de Curitiba dos anos de 1940, Henrique Paulo foi conhecer o Marumbi, escalou, e voltou uma, duas, muitas vezes. Tornou-se um dos mais completos escaladores das montanhas paranaenses. Alinhou-se entre os melhores escaladores de rocha de sua época e participou da abertura de vias que se tornaram clássicas, como a Passagem Oeste do Abrolhos e a Fenda Y, a primeira grande parede da face norte da Esfinge, cuja dificuldade técnica é respeitada ainda hoje, mesmo com emprego de modernos equipamentos.

É dono de imenso currículo de primeiras chegadas em montanhas de nossas serras. De espírito inventivo, desenvolveu ferramentas, mochilas, sacos de dormir. Confeccionou suas próprias roupas para varar mata fechada, em lona grossa e forte, cheia de bolsos estratégicos para bússola, cadernetas, etc. Criou e incentivou várias modalidades esportivas serranas, destacando-se as provas Corrida Marumbi Morretes, Marumbi Orienteering, Corridas de Caiaques e Botes no Nhundiaquara, entre outras. Pratica vôo livre, paraglider.

É uma fonte de referências. Aventureiro inveterado, viaja sempre com um caderninho na mão, onde anota e faz croquis detalhados. Documenta suas viagens e depois as encaderna meticulosamente. Dentro da tradição marumbinista foi batizado por Vitamina, por estar sempre roendo cenoura e outros energéticos naturais.

É dono de grande resistência física e grande companheiro de aventuras serranas. Henrique Paulo Schmidlin nasceu em 7 de outubro de 1930, é advogado e por mais de uma década foi Curador do Patrimônio Natural do Paraná. Pela soma de sua biografia e personalidade, fundiu-se ao cargo, tornando-se ele próprio patrimônio do Estado, que lhe concedeu o título de Cidadão Benemérito do Paraná.

Artur Hugen, com Vitamina e o site www.altamontanha.com

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