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Raoni Rajão fala sobre a relação do desmatamento e o Acordo de Paris

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Raoni Rajão, fala sobre o impacto do desmatamento no cumprimento dos compromissos estabelecidos pelo Brasil no Acordo de Paris, ratificado em 2015 por 196 países que concordaram em agir para conter o aquecimento global a menos de 2°C

Neste mês, foi publicado na revista Nature Climate Change o estudo “The threat of political bargaining to climate mitigation in Brazil” (A ameaça da barganha política para mitigação das mudanças climáticas no Brasil), que avalia o impacto do afrouxamento das políticas ambientais no país (como é o caso do Código Florestal) para o cumprimento das metas estabelecidas no Acordo de Paris.

O grupo de pesquisadores brasileiros responsáveis pelo estudo calcula que o custo para o cumprimento das metas pelo país deverá ser de, pelo menos, US$ 2 trilhões, podendo chegar a US$ 5 trilhões.

Em entrevista exclusiva para o Observatório do Código Florestal, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, Raoni Rajão, fala sobre o impacto do desmatamento no cumprimento dos compromissos estabelecidos pelo Brasil no Acordo de Paris, ratificado em 2015 por 196 países que concordaram em agir para conter o aquecimento global a menos de 2°C até o final do século.

Como foi realizar este artigo que ganhou tanto espaço na mídia? Acredita que a publicação influenciará de alguma forma as eleições deste ano?

Em primeiro lugar, o nosso sucesso com a publicação é devido a termos conseguido responder a uma pergunta muito complexa que é todo o entendimento do futuro climático do Brasil e a relação entre vários setores, integrando o estudo por meio de uma modelagem muito robusta. A mensagem é muito direta: se o governo não tomar atenção para as políticas e para a governança ambiental no que concerne à mudança do solo e ao desmatamento, vai acabar com seu orçamento de carbono e não vai ter como desenvolver o país, como alcançar o acordo, e vai ter um custo econômico muito grande. E essa mensagem acho que foi bem captada pelos jornalistas e acabou chegando ao público geral. É muito difícil dizer se vamos conseguir ou não influenciar as eleições, mas se a gente pelo menos conseguir que o tópico do orçamento de carbono e o tópico das opções de desenvolvimento entrem para a agenda, já vamos ter um ganho muito grande. O que estamos vendo nesse momento é que, com exceção de um dos candidatos, a questão ambiental está absolutamente invisibilizada no processo. A nosso ver, a discussão sobre emissões de carbono e desmatamento é uma discussão também sobre o desenvolvimento do país, então quem se preocupa com o futuro do país, com o desenvolvimento econômico, emprego e renda, PIB e etc, também tem que se preocupar com a questão do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, e tomara que um pedaço dessa mensagem entre no debate mais amplo.

Mesmo as metas do Acordo sendo voluntárias, você acredita que elas serão cumpridas? Quais são as consequências para o Brasil com o não cumprimento do acordo?

O país estabelece para si mesmo, ele escolhe qual é a sua própria meta, mas isso não significa que o país tenha o direito de cumpri-la ou não. A partir do momento que, como o Brasil, que inclusive está em lei, um país ratifica o acordo de Paris e propõe sua própria meta, aquela meta torna-se obrigatória para ele. Alcançar a meta não é opcional. É claro que, se ele descumpre, entra o problema da punição, e o Acordo de Paris é muito vago sobre como serão as punições para os que não cumprirem suas metas. Existe uma tendência, dependendo do arranjo que ocorrer entre União Europeia e a própria China, que possam existir, por exemplo, sanções comerciais para aqueles países que não estão cumprindo o Acordo. Então, existe um risco de que o Brasil possa ter suas exportações prejudicadas no futuro, caso não venha a cumprir suas metas. Essa correlação com o cumprimento, a China, pelo menos, parece ter toda a indicação de que vai conseguir cumprir, porque a meta dela é ter o pico das emissões antes de 2030, e acredita-se que esse pico possa acontecer até 5 anos antes. Há indicações também de que a União Europeia possa vir a conseguir cumprir, ultimamente a Alemanha apresenta algumas dúvidas, mas em geral tem todo o entendimento de que essas metas terão que ser cumpridas, investimentos serão feitos neste sentido, mas é claro que os Estados Unidos estão indo na direção oposta a isso. Vários países, que inclusive fizeram promessas muito menos ambiciosas que o Brasil, vão conseguir alcançar suas metas. Então, de fato existe a chance de o país ficar um pouco isolado deste processo, lembrando que a meta de Quioto, por mais que com algumas controvérsias quanto à contabilização de carbono, no geral foi cumprida. Existe risco para o Brasil ao não cumprir o acordo, inclusive porque, em 2025, junto com os Estados Unidos, será o único a ser julgado antes dos outros países. Se o Brasil em 2025 não alcançar a meta, realmente vai estar exposto a muita pressão internacional.

Quem vai pagar a conta com o não cumprimento das metas do Acordo de Paris?

Em primeiro lugar, todo mundo paga a conta porque não vamos conseguir viver no mundo com um aquecimento maior que 2 graus. Isso gera a elevação do nível do mar, extremos climáticos, desastres, e prejudica, inclusive, muito da nossa agricultura porque os modelos climáticos apontam, por exemplo, que hoje estados como o Mato Grosso e até o Matopiba, onde há dupla safra, com a Soja e uma safrinha, não vai mais ser possível, pois o período de secas vai se estender, enquanto os períodos de chuva serão mais restritos. Do ponto de vista econômico, uma das coisas que foi levantada pelo estudo é que se o Brasil emitir além das suas metas, ou se os outros países fizerem a mais, isso vai ter um custo, e um custo muito alto. Então, existe também o risco de outros países serem obrigados a fazerem a mais para cobrir o que o Brasil não está fazendo, havendo uma tendência de que depois esta conta seja cobrada do próprio país, inclusive nas relações internacionais e exportações.

Por que o Brasil passou, nos últimos anos, por um “enfraquecimento da governança ambiental”?

Antes de tudo precisamos definir o que é governança ambiental. Você tem política de controle do desmatamento e essas políticas, basicamente, são as ações do IBAMA junto com o sistema de monitoramento do INPE. Elas se mantiveram e até foram aprimoradas nos últimos anos. Não foi esse aspecto chave que foi enfraquecido, o problema é que governança vai muito além de política de controle do desmatamento. Governança passa também pelo que fazem os outros ministérios, passa pela sinalização política, o jogo de poder que está atuando no momento. A nossa leitura é que, se de um lado houve uma manutenção das políticas de controle do desmatamento, do outro lado, com o novo Código Florestal e a interrupção da criação de novas Unidades de Conservação, e no governo Temer, agora, com a medida provisória e com a própria lei da grilagem junto a essa tentativa de diminuir a proteção da Florestal Nacional do Jamanxim e, inclusive, da Renca, não deixou de dar uma sinalização muito forte para os atores econômicos de que basta você pressionar o governo que ele cede e consegue tomar atitudes que são a favor de quem está querendo desmatar. Isso é muito prejudicial, porque no balanço de forças você acaba anulando todo o trabalho feito de comando e de controle. Então, mesmo tendo uma pequena melhoria nos procedimentos de comando e de controle nos últimos anos, você acaba tendo uma pressão pró desmatamento muito mais forte, e isso explica, inclusive, a alta no desmatamento que aconteceu desde 2012. Hoje temos praticamente o dobro do desmatamento na Amazônia.

Como podemos explicar a relação direta entre o desmatamento e a qualidade de vida nas cidades?

Acho que, em primeiro lugar, as pessoas têm que entender que o desmatamento contribui para as mudanças climáticas, e mudança climática significa mais extremos climáticos, como mais períodos de secas ou de chuvas, dependendo da região, então existe um problema direto com a gestão das cidades. Existe também a questão da alimentação, como colocado anteriormente, as mudanças climáticas prejudicarão a própria agricultura e isso vai encarecer os alimentos. Tem também a questão da água, as cidades dependem muito dos mananciais, dos próprios reservatórios, e está ficando cada vez mais difícil manter esses reservatórios cheios, seja pela má gestão das águas como também pela questão das mudanças climáticas, considerando o próprio papel das florestas como reguladores hídricos, já que elas não necessariamente produzem mais água localmente, mas fazem com que a diferença da vazão entre o período de chuva e o período de seca seja menor, o que permite que a gente tenha água na torneira o ano inteiro. Então o desmatamento prejudica a vida na cidade nesses diferentes aspectos.

Qual a mensagem principal que o artigo pretende passar?

Como mensagem principal, o que precisamos tentar estabelecer no debate político, ai estamos falando do debate das eleições presidenciais, essa noção de que o orçamento de carbono é um recurso finito. Toda vez que a gente liga o carro, que consumimos um kilo de carne ou de soja, ou produzimos um avião, estamos emitindo. Agora, o ponto é: vou emitir por meio de atividades que geram PIB, riqueza e serviços, ou vou emitir com desmatamento, que tem uma emissão absurda e que não gera necessariamente esse ganho de PIB, esse ganho de produtividade do país? Então, de certa forma, o que gostaríamos que entrasse para o debate é essa ideia de que você tem um recurso finito, da quantidade de emissões que o Brasil vai poder fazer nos próximos anos e que, por causa disso, tem que ser pensado da melhor forma possível.

Quais as recomendações para futuros estudos?

Com relação a estudos futuros, eu acho que é importante continuar monitorando não só ações do passado do governo, mas também fazendo estudos que mostrem o impacto de ações para o futuro. Por exemplo, um ponto muito importante que está se discutindo agora é a construção de uma série de hidrelétricas na Amazônia, e tem também o Trump que, agora em briga comercial com a China, pode gerar uma maior demanda de produtos agrícolas do Brasil já que os Estados Unidos estão fornecendo menos para a China. Então tudo isso tem consequências muito grandes para o Brasil e isso tudo demanda estudos, demanda ciência para informar o debate público e para avançar na governança ambiental do país.

Artur Hugen, com Gabriel Figueira (Imprensa – Observatório do Código Florestal):

Criado em 2013, o Observatório do Código Florestal é uma rede formada por 28 instituições, que monitora a implantação da Lei Florestal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, com a intenção de gerar dados e massa crítica, que colaborem com a potencialização dos aspectos positivos e a mitigação dos aspectos negativos da nova Lei Florestal, e evitar novos retrocessos.