Tramitam no Senado dois projetos que buscam melhorar a qualidade de vida das pessoas com alergias alimentares por meio do esclarecimento e conscientização do tema. A primeira proposta, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), estabelece a criação da Semana Nacional de Conscientização Sobre a Alergia Alimentar. O PLS 308/2018 prevê que o evento seja realizado anualmente, na terceira semana do mês de maio.
Para a autora, a iniciativa não deve trazer custos ao Estado e pretende promover seminários, rodas de conversa, palestras e outras questões sobre o tema, além de conscientizar a população sobre esta condição. A matéria está em análise na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) e aguarda a designação do relator.
A segunda proposta é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 155/2014, de autoria do senador Antonio Carlos Valadares ((PSB-SE), que determina a indicação dos alergênicos mais comuns em rótulos de alimentos. O projeto exige que um regulamento deve definir a lista dos alimentos considerados alérgenos mais frequentes. A relação deverá conter leite, ovos, peixes, crustáceos, moluscos, castanhas, amendoim, trigo e soja. A matéria está em análise na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), com relatoria do senador Eduardo Amorim, (PSDB-SE), onde receberá decisão final.
As alergias alimentares são doenças caracterizadas pela manifestação do sistema imunológico após a ingestão ou contato com certos alimentos. As reações incluem urticária, inchaço, coceira, eczema, dor abdominal ou até mesmo fechamento das vias respiratórias e comprometimento de órgãos.
O Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar de 2018, atualizado em abril deste ano, indicou que as alergias alimentares já são consideradas um problema de saúde pública, pois a sua prevalência tem aumentado em todo o mundo. A estimativa é de que elas afetem cerca de 6% das crianças com menos de três anos de idade e 3,5% da população adulta.
Na infância, os alimentos alergênicos mais comuns são leite de vaca, ovo, trigo e soja, que em geral são alergias transitórias. Menos de 10% dos casos persistem até a vida adulta. Entre os adultos, os alimentos mais identificados são amendoim, castanhas, peixe e frutos do mar.
Maria do Carmo defende que o aumento da prevalência do problema demanda maior atenção ao tema por parte do Estado e da sociedade como um todo. “Quanto mais informação a população brasileira tiver sobre a alergia alimentar, maior e melhor será o acolhimento de quem convive com esse delicado tipo de desordem imunológica”, afirmou na justificativa do projeto.
Em maio, a senadora realizou audiência pública sobre o assunto. Na ocasião, Renata Alves Monteiro, mestre em Nutrição Humana Aplicada, falou ainda sobre sua experiência como profissional e mãe de três filhos alérgicos. Para ela, o processo de acolhimento das pessoas com alergia seria o principal benefício que uma semana de conscientização poderia trazer.
— A partir do momento em que a gente tem uma semana de conscientização da alergia alimentar, não vamos deixar a discussão só no âmbito individual do cuidado [familiar]. A gente vai começar a discutir isso de maneira responsável com os serviços de saúde e teremos famílias que passarão por um processo de acolhimento e respeito.
Segundo a psicóloga Érika Campos Gomes, os impactos psicossociais da alergia alimentar afetam não só a vida das pessoas alérgicas como a das famílias com crianças alérgicas. Ela indicou que, além de uma mudança significativa na rotina familiar, o enfrentamento da alergia está associado ao aumento do sofrimento psíquico e a diminuição da qualidade de vida tanto de crianças alérgicas quanto de seus pais.
— Há, de fato, uma dificuldade de entendimento, de compressão e de apoio da sociedade como um todo, tanto do clico social mais próximo, de familiares e amigos, quanto da sociedade de forma geral.
Nas escolas, os participantes do debate defenderam uma maior abordagem do assunto, por ser um ambiente em que as crianças passam muito tempo e fazem refeições coletivas. Maria do Carmo ressaltou também, na justificativa da proposta, os berçários como lugares de grande risco de contato acidental com alimentos alérgicos.
Fernanda Mainier Hack, uma das coordenadoras do movimento Põe no Rótulo — que reivindica a rotulagem adequada de produtos alimentícios —, afirmou que muitas reações alérgicas acontecem no ambiente escolar e ocorrem por desconhecimento e falta de preparo das escolas. Ela defende ainda que a discussão seja levada para o ambiente de trabalho, pois o adulto que tem alergia também precisa ser acolhido e os pais de crianças alérgicas precisam da compreensão para eventuais ausências por motivos médicos.
Um dos pleitos das famílias e das pessoas com alergias é a indicação obrigatória sobre a presença de alergênicos nos rótulos de alimentos. Em 2014, a associação de defesa dos direitos dos consumidores Proteste e o movimento Põe no Rótulo iniciaram uma campanha por essa regulamentação, que teve o apoio de mais de 100 mil pessoas.
A iniciativa popular fez a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) debater o tema e, em 2015, aprovar uma resolução obrigando indústrias de alimentos e bebidas a colocarem avisos nos rótulos de seus produtos sobre a presença de ingredientes com maior potencial de causar alergias. A aprovação do PLS 155/2014 oficializará em lei essa obrigatoriedade.
A rotulagem com avisos ao consumidor já é obrigatória, quando o produto contém lactose. A Lei 13.305, sancionada em julho de 2016, teve origem no projeto do senador Paulo Bauer (PSDB-SC). A legislação define ainda que os rótulos de alimentos cujo teor original de lactose tenha sido alterado, informem a quantidade remanescente de lactose. Os rótulos brasileiros devem indicar ainda, segundo a Lei 10.674, de 2003, a presença ou não de glúten nos alimentos.
Artur Hugen, com Agência Senado/Foto: A_Namenko/Stockphotos
19 de Novembro, 2024 às 23:56