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O último trem diário de passageiros que sobrou no Brasil

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Mas o trem que se vê na beira da estrada viaja lento que nem carro velho. E é nele que a equipe vai de manhã. O trem parte, sem atraso, às 7h30 e vai mostrando Belo Horizonte de um ângulo que a gente raramente vê

O Bom Dia convida você, leitor, para uma viagem sobre trilhos. Os repórteres Rodrigo Alvarez e Wilson Araújo embarcaram no último trem diário de passageiros em funcionamento no Brasil. Foram 13 horas surpreendentes entre Belo Horizonte e Vitória.

Para viajar no único trem de passageiros diário que sobrou no Brasil é preciso subir em um avião, pousar em Minas Gerais e pegar um táxi. “Você vai pagar todos os seus pecados. De trem?”, brinca o taxista.

O taxista que ri da nossa aventura é louco até demais por velocidade. Passou férias na Europa e ficou vidrado nos trens de lá. “O trem de lá da França, você tá doido, é muita velocidade e você não sente absolutamente nada. Cria-se uma, como se fala, um campo magnético, que ele não encosta naquele negócio. Ele anda suspenso”, conta o taxista.

Sem saber, o taxista fala de um trem alemão que levita sobre um campo magnético formado nos trilhos. Viaja na China hoje a 430 km/h e deve entrar na concorrência do governo federal para um trem de alta velocidade ligando o Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas.

Mas o trem que se vê na beira da estrada viaja lento que nem carro velho. E é nele que a equipe vai de manhã. O trem parte, sem atraso, às 7h30 e vai mostrando Belo Horizonte de um ângulo que a gente raramente vê.

Entre Belo Horizonte e Cariacica, no Espírito Santo, vão ser 664 quilômetros. Carregando 57 carros, com a média de 51 km/h, a locomotiva vai levar 13 horas para chegar ao destino.

Houve um tempo em que o trem era um luxo tão popular no Brasil que levava 100 milhões de passageiros por ano. Era o equivalente dos ônibus ou aviões de hoje em dia.

Mas isso foi nos século passado, até os anos 60. Hoje, o trem derradeiro - mantido por força de um contrato de privatização com a Vale - leva pouco mais de 900 mil passageiros por ano.

Isso que acontece quando existe oferta de trem para a população: muita gente na estação de Governador Valadares entrando no trem que vai para Vitória. Tem fila pra entrar, mas não tem que fazer check-in, nem passar pelo raio-X, como nos aeroportos. Não tem também nenhuma preocupação com excesso de bagagem ou congestionamento.

E quando o trem pega embalo. “Conhece muitas pessoas. Fica igual passarinho pulando de um galho para outro. Se ficar só em um lugar dá estresse”, brinca um passageiro.

Tem mais de três décadas que uma psicóloga faz esse percurso pra visitar os parentes. Ela gosta de viajar entre um vagão e outro, de olho na paisagem. Vai vendo os rios, os campos de mineração, cidadezinhas grudadas na ferrovia. E acha tudo no trem melhor do que no avião. “Você sabe que eu prefiro? O avião não tem isso aqui, essa conversa”, conta.

Conversa de corredor e vagão restaurante são exclusividades do trem. “Não dá pra reclamar não. Feijão tropeiro, arroz, frango e salada”, diz o repórter.

Tem chuva na estação seguinte, mais uma parada, minério chegando pela contramão e um anoitecer que fica muito mais bonito pela janela do trem.

Depois de 13 horas, quase chegando a Vitória, é possível discordar plenamente do taxista que disse que a viagem era um pesadelo. A viagem é lenta, o vagão mais moderno tem 30 anos de história, mas ninguém reclama.

“Aqui o pessoal passeia, levanta do lugar, posso ir até o vagão seguinte, vejo gente diferente”, diz a aposentada Marlenice Esteves.

Raiany Tozi acha, inclusive, melhor que a viagem de ônibus. “Talvez porque não fique parando, eu acho mais confortável”, aponta a secretária.

Viajar em um Brasil de antigamente, pensando naquele que pode vir no futuro. Afinal, em outra velocidade e em muitas outras rotas, nosso país de dimensões continentais ainda pode reencontrar o caminho dos trilhos.

Artur Hugen, com Revista Ferroviária/Fotos: Divulgação