Ricardo Salles afirmou que Brasil não irá se comprometer com novas metas de redução de emissões junto à ONU BRASÍLIA - Em sua primeira entrevista exclusiva após tomar posse como ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles diz ao GLOBO que o Brasil não irá se comprometer com novas metas de redução de emissões junto à ONU.
Para ele, o Brasil é credor e já fez além do seu dever de casa nessa área. E agora é hora de cobrar a fatura dos países ricos para receber recursos pelo que já fez.
O ministro pensa em rever a classificação de Unidades de Conservação para permitir alguns tipos de atividade econômica, como a passagem de linhas de trem e a instalação de linhas de transmissão onde hoje é proibido.
Ele critica a atual política do Ibama, cuja presidente se demitiu na segunda-feira após rebater insinuações de irregularidades feitas por Salles em um contrato na locação de caminhonetes, e pede bom senso dos fiscais ambientais em relação a produtores rurais suspeitos de crimes ambientais, dizendo que eles não são nem anjos, nem bandidos.
Como vai ser a gestão da agenda climática e o monitoramento das metas que o Brasil assumiu internacionalmente de corte de emissões agora que o senhor acabou com a secretaria de mudanças climáticas?
Esse papel será da secretaria especial de clima, ligada diretamente a mim. É importante a gente dizer isso, senão fica parecendo que esvaziamos o papel, o papel não mudou. O grande advogado de mudanças de clima será o assessor especial de mudanças climáticas, juntamente com o secretário de relações internacionais, o Roberto Castelo Branco. Porque não adianta a gente ter uma agenda internacional sem aplicação interna, nem aplicação interna sem saber aproveitar internacionalmente o que se faz aqui no Brasil.
E qual é a situação brasileira nessa área?
Eu arrisco dizer que nós temos muito mais coisa feita aqui no Brasil do que efetivamente benefícios e reconhecimentos internacionais proporcionais ao que se fez no Brasil até hoje. Especialistas manifestaram preocupação com o fim da secretaria de mudanças climáticas, afinal o Ministério do Meio Ambiente sempre centralizou essas ações. Nós precisamos sair do campo das generalidades e entrar nas demandas específicas. Por exemplo as INDC (esforço nacional para reduzir emissões feito junto à ONU), nós já nos comprometemos com as nossas metas, nossas metas estão postas. A informação será aqui centralizada. (O que a gente tem que fazer) é pegar talvez esse volume de lição de casa feita, todo esse exemplo para o mundo e fazer um esforço de conversão de tudo isso em vantagens tangíveis para a população brasileira.
Como seria isso?
Sair um pouco do campo do reconhecimento internacional, aquela coisa quase que honorífica, que só serve para você ser ufanista, e perguntar: ok, qual é a consequência prática para a sociedade brasileira? Que créditos efetivos, e não promessa de créditos, nós trouxemos aqui para o Brasil? Que resultados concretos em termos de vantagens comerciais vis a vis outros países que não cumprem a agenda e não têm tanta lição de casa para mostrar e que a gente trouxe para o Brasil? Nós fizemos muito, nos comprometemos muito e colhemos pouco. Agora é a hora de colher, até para você ter condições de incentivar daqui por diante a manutenção e a regularidade dessas ações de preservação ambiental.
De que forma o senhor pensa em transformar o dever de casa em vantagens econômicas?
Aquela ideia do pagamento por serviços ambientais, precisa vir dinheiro para cá. Nós precisamos criar uma fórmula simples, factível, tangível e inteligível para as pessoas que estão na ponta de como é que ela vai poder receber recursos de verdade em razão dos seus sacrifícios, das suas atitudes, das suas boas práticas.
O senhor está falando do proprietário rural?
Estou falando de tudo. Vamos pegar o exemplo da Amazônia. Entidades internacionais querem o desmatamento zero. Desmatamento ilegal zero. Tem gente que quer desmatamento zero, mesmo na cota dos 20% (que é possível desmatar, pela lei, dentro de propriedades rurais). Pode até acontecer. Desde que se pague por isso.
Mas as metas climáticas não exigem que o Brasil faça além do que está previsto na lei. Mas a moratória da soja diz que não pode desmatar na Amazônia Legal. De 2006 para cá já tem um monitoramento e de 2012 veio o código florestal e os percentuais todos, então você tem um problema aí. Quando você impede o livre usufruto da propriedade e do direito de produzir você tem que automaticamente colocar à disposição da sociedade um instrumento de compensação financeira para esses produtores.
A ideia é só para a área rural?
A gente também tem que encontrar uma fórmula para fazer isso na área urbana, porque a discussão passa muito pela área rural, mas nós também temos que encontrar uma fórmula de trazer recursos, diante desse esforço mundial de mudanças climáticas. Como é que nós vamos fazer para as áreas urbanas do Brasil contribuir para isso.
Como assim?
Um exemplo concreto: como é que você vai tratar os resíduos sólidos no Brasil? Os resíduos sólidos são responsáveis por emissões de gases do efeito estufa. Tem que ter um mecanismo para você trazer dinheiro para cuidar disso. Trazer dinheiro, e não lição de moral. Seria um PSA (pagamento por serviço ambiental) urbano, vamos dizer assim. Uma compensação ou uma ajuda para um projeto.
E a sua ideia é trazer recursos internacionais para isso?
É para isso que nós temos a secretaria de assuntos internacionais. À medida que nós temos um projeto para melhorar saneamento, poluição dos rios, resíduos sólidos no Brasil como um todo. Tem um projeto para desertificação do semi-árido. Todos esses projetos precisam de recursos, e esses recursos podem vir também pela parte tecnológica, de monitoramento, por vários caminhos que nós vamos buscar lá fora atitudes concretas para nos ajudar no meio ambiente.
A atuação brasileira vinha focando mais em floresta antes.
Minha preocupação é a gente não ficar rodando o mundo da discussão ambiental pelo simples fato de estar presente. O Brasil tem que estar presente desde que a presença do Brasil resulte em benefícios concretos para a sociedade brasileira.
O Brasil aguarda uma fatia do fundo verde da ONU e já é beneficiário de recursos do Fundo Amazônia.
Claro. Mas existe uma diferença quando você estabelece obrigações futuras em troca de um benefício futuro, incerto, indeterminado, e quando você recebe uma compensação por algo já feito. Nós fizemos um monte de coisa até aqui. E o que está acontecendo com essas promessas de recursos? Olha, eu te dou isso aqui, se aqui você fizer. Não, não, não. Para.
O senhor prevê mudanças em relação às metas climáticas que o Brasil apresentou no painel de Clima da ONU? Essa obrigação já está assumida, o problema é que você tem prazos de revisão. Em 2020 você tem o momento oportuno para revisar essas metas. Nós não vamos nos comprometer com novas metas. Já temos as metas feitas. O nosso papel é dizer: olha, a lição de casa está feita até aqui. Quanto que isso vale? Vou pegar esse recurso aqui e vou aplicar para a manutenção futura. Agora, sem recurso não tem manutenção futura. Nós somos credores.
Chegou a hora de o Brasil cobrar a fatura do que já fez pelo meio ambiente?
Exato. Ao invés de colocar metas futuras, compromissos futuros, é o seguinte: pelo o que eu já fiz, vocês vão pagar quanto? Se não é aquela imagem do cachorro correndo atrás da linguiça.
E enquanto a gente não recebe?
Nós vamos continuar fazendo. Tem práticas que já estão incorporadas à cultura brasileira, essas práticas nós vamos continuar. Vamos continuar fiscalizando. Acho até que vamos fazer mais.
Fazer o que mais?
Fala-se muito do desmatamento da Amazônia, e tudo o mais. E as cidades? E os rios? E a emissão de gases do efeito estufa na região metropolitana? O ar nas grandes cidades é poluído, os rios, uma vergonha, solo contaminado, supressão de vegetação nas regiões mananciais das grandes cidades por invasão de propriedade, o esgoto não é tratado porque não se quer fazer a pressão política entre os diversos entes federativos. Esta é a verdadeira agenda do momento.
Menos floresta e mais cidade?
É parar de inventar moda na área do campo, portanto dar continuidade na maneira de se trabalhar no campo, que está bem feita. A agricultura brasileira é exemplo para o mundo. Ponto. Pode parar com essa lição de moral para cima de nós. Nós fazemos nossa lição de casa e fazemos bem feito. Nós é que podemos ensinar como fazer para os outros, e não o contrário. Agora na cidade nós temos muita coisa por fazer. Nós estamos aqui discutindo o que nós somos bons e deixando para trás o que nós estamos passando vergonha, que é a parte de qualidade ambiental urbana.
Como pretende manter as unidades de conservação?
Isso aí é fiscalização e realismo. Nós precisamos reconhecer que nossas unidades de conservação mais terras indígenas e mais quilombolas são gigantescas. Nós precisamos ter uma estratégia eficiente de fiscalização dessas áreas. Quando você pega os dados do Inpe (de desmatamento) mostra que a nossa estratégia está toda errada. Quando você olha que aumentou 14% o desmatamento e só um terço é agricultura e dois terços são esse grupinho aqui (unidades de conservação mais terras indígenas e mais quilombolas). Alguma coisa está errada aqui. Quem que está errado aqui? Essa turminha aqui: Ibama.
Como assim?
Você está enterrando dinheiro que não acaba mais, está mal gerido. Não falta recurso. 30 milhões para aluguel de veículo, 170 para gasto de helicóptero. Você está enterrando dinheiro num modelo de fiscalização que não funciona.
O senhor pretende rever os limites e tamanhos das unidades de conservação?
A princípio, não. É claro que se houver comprovadamente delimitações de unidades de conservação sem a respectiva fundamentação, porque unidade de conservação é consequência de uma análise de fragilidade ambiental, de necessidade de cuidados e tudo o mais. E não será nessa área que nós vamos fechar os olhos para eventuais abusos. Isso não quer dizer que eu esteja indo atrás de excessos. Acho que nós precisamos cuidar bem das que nós temos e saber reconhecer que para cuidar das unidades de conservação nós precisamos ter ajuda do setor privado.
Algo além da concessão de parques?
Precisamos saber conviver com o desenvolvimento econômico, precisamos saber conviver com a infraestrutura. Precisa parar um pouco de boicotar certas atividades econômicas como se fossem pontos contraditórios: ou tem unidade de conservação ou tem atividade econômica, não é verdade.
Que tipo de atividade o senhor acha que pode ter em unidade de conservação?
Você pode ter ferrovia passando em unidade de conservação e a compensação econômica por essa ferrovia ser o recurso necessário para cuidar dos outros. Você pode ter uma linha de transmissão numa unidade de conservação e o royalty que ela vai pagar para passar ali ser justamente o recurso, e às vezes até o Know How, porque você pode embutir monitoramento por sistema de câmera, por satélite, por drone, etc. Em vez de olhar o gerador de atividade econômica como inimigo, você pode olhar como um parceiro. É essa dicotomia entre desenvolvimento e meio ambiente que tem matado as unidades de conservação. Elas não estão alheias ao processo econômico, quando você fecha os olhos para a realidade das pessoas você abre espaço para mineração ilegal, etc.
Que outras atividades econômicas poderiam acontecer nessas áreas protegidas?
Tem que ser realista, ordenar. Falar: aqui não entra ninguém, nada, não é realista. Primeiro ter nas unidades de conservação turismo de verdade, e não dizer que recebe e não ter nenhuma estrutura. Ter um corpo eficiente de monitores, guarda-parque, tem que receber bem o turista e cobrar por isso. Dependendo do nível de proteção você pode haver o manejo extrativista.
Manejo já é permitido em Florestas Nacionais.
Sim, mas talvez você tenha ainda algumas unidades de conservação que foram classificadas num nível acima de restrição que estão deixando passar a oportunidade de você ter algum grau de extrativismo bem feito, com cuidado, e responsabilidade, e reinvestimento.
O senhor vai reclassificar o grau de restrição das unidades de conservação?
Nós precisamos olhar isso sem preconceito, sem escolher modelos pré-concebidos. Tem que olhar caso a caso. Espero que a gente consiga fazer, porque tem tanta coisa para fazer, que você não pode eleger tudo como prioridade.
Que outras mudanças virão?
A conservação não pode ser afirmada como uma questão de dogmatismo ideológico. Tem que ter uma atitude concreta de como conservar. Reconhecer as limitações do Estado, reconhecer as limitações legais, logísticas. A partir do momento que você consegue reconhecer suas limitações de maneira adulta e dizer que não conseguimos controlar todo o território daquela unidade: vamos trazer uma empresa, uma associação, um parceiro para nos ajudar. Mas qual tem sido a postura: de jeito nenhum, aqui não entra ninguém. O que acontece? Entram os ilegais. Não é uma atitude inteligente.
ICMBio e Ibama poderão ser fundidos?
Por hora não. Eu quero ver como eles funcionam separados, quero ver se não estamos perdendo eficiência. Só saberemos isso depois de um certo tempo. Se houver em algum momento sinergia, aí nós vamos juntar.
Quais serão as medidas de combate ao desmatamento?
Temos que ter informação rápida, atualizada e capacidade de ação. Por outro lado também passa por uma relação estável e madura você não perseguir o produtor rural que está cumprindo a lei. Hoje você tem um esforço tão grande de determinadas entidades para evitar a qualquer custo o desmatamento zero, e não o ilegal zero, que você descredita a ação do órgão (ambiental). O sujeito se sente injustiçado. Para ele, não querem aplicar a lei.
O governo repete muito a crítica da indústria das multas. Não passa a mensagem de que haverá menos rigor na fiscalização do crime ambiental?
Ao contrário. Nós vamos ser muito rigorosos com o crime ambiental. Só que eu não vou rotular situações em que não houve crime nenhum como criminosas simplesmente para poder fazer oba-oba e dar manchete em jornal. Nós vamos aplicar a lei. Para os que fazem coisa errada, a dureza da lei, para quem não faz coisa errada, a decência de tratar essa pessoa como alguém que tem a presunção de inocência.
E hoje não é assim?
O que está havendo é que houve um descontrole na aplicação da lei e da fiscalização ambiental e a prova disso é que um percentual muito pequeno dos autos de infração se converte em multas e em punição lá na ponta.
É isso que vem sendo chamado de indústria da multa?
Você tem um mundaréu de auto de infração e não tem foco. Você está olhando para um monte de coisa que não precisava olhar.
Qual política é mais adequada?
Você tem que ter monitoramento, tecnologia, mas a pessoa que está li na ponta ela tem que aprender a respeitar o órgão ambiental e não virar inimigo do órgão ambiental. A orientação é agir de acordo com a lei. Vamos criar as conciliações ambientais, o sujeito recebe o auto de infração e já vai para a Câmara de conciliação. Isso vai dar um grau de transparência e credibilidade muito grande. A pessoa vai ter a oportunidade de chegar numa conciliação ambiental e reconhecer parcialmente sua culpa, seu eventual dano e não ser um oito ou 80: ou ela é totalmente criminosa ou tem que ser totalmente inocentado. Não. Há um grau de transigência e de reconhecimento de situações de fato que hoje não tem. O sujeito vai lá e trata o produtor como se ele fosse um bandido; e ele, por outro lado (diz): não, sou um anjo. E não é nem anjo, nem bandido. Esse bom senso precisa ter.
Artur Hugen, com Revista Ferroviária/O Globo/Foto: Adriano Machado / REUTERS
19 de Novembro, 2024 às 23:56