Disposto a acelerar a votação de seu pacote anticrime, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse não se opor à possibilidade de a tramitação ser iniciada no Senado para que a Câmara atue como Casa revisora. Por quase seis horas, o ex-juiz participou, nesta quarta-feira (27), de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), atendendo a um requerimento do senador Lasier Martins (Pode-RS).
A ideia partiu da senadora Eliziane Gama (PPS-MA), que entende que os deputados estão concentrados na reforma da Previdência. Assim, apesar de discordar de alguns pontos da proposta, ela disse reconhecer a urgência de debatê-la e votá-la.
— Temos dois temas hoje no país: Previdência e segurança, que é uma necessidade nacional. Conversei com alguns senadores para que possamos apresentar o projeto [anticrime] como iniciativa daqui. Não podemos perder tempo e temos que dar resposta à altura à sociedade — afirmou a representante do Maranhão.
Para Sergio Moro, trata-se de uma questão que precisa ser levada pelos senadores ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na opinião dele, "não importa a cor do gato, importa que ele pegue o rato".
— Temos que respeitar a Câmara. Se o Senado conseguir, ok. Podemos prosseguir, não tenho objeção. Gostaria sim de ver discutido, debatido e aprovado o mais rápido possível com aprimoramentos feitos pelo Parlamento — afirmou.
Moro aproveitou para minimizar o recente desentendimento com Rodrigo Maia sobre a tramitação da proposta.
— Houve uma troca de palavras ásperas, mas isso é absolutamente contornável. Não temos a intenção de prolongar esse desentendimento — esclareceu.
Na comissão, o ministro voltou a defender a possibilidade de prisão de condenados após o julgamento em segunda instância, sem a necessidade de se esperar o último recurso ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Moro lembrou que o próprio Supremo já decidiu quatro vezes não haver incompatibilidade entre esse conceito e a Constituição. E disse que não adianta ter penas mais rigorosas, se a justiça não for eficiente. Ele lembrou ainda que em países democráticos, como Estados Unidos e França, é possível executar a pena já após a primeira instância.
— Tenho expectativa de que vai ser mantido o precedente. A posição do governo é pela manutenção da prisão em segunda instância e é importante que sinalize isso para a população — argumentou.
O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) colocou em campos opostos senadores contrários à ampliação da posse de armas, como Eliziane Gama (PPS-MA) e Humberto costa (PT-PE), e outros favoráveis à flexibilização da lei, como Marcos do Val (PPS-ES), para quem "um cidadão de bem armado pode se tornar um aliado das forças policiais".
Sergio Moro alegou que o presidente Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de flexibilizar o estatuto e agora está cumprindo seu compromisso com a população. Segundo ele, houve a edição de um decreto ponderado, que tratou apenas da posse de armas em residência.
— O principal ponto da questão foi a demonstração da necessidade. Em nenhum lugar isso estava claro. Cabia ao agente policial de balcão decidir. Então, caracterizamos o assunto. Quem tinha direito a posse continua tendo e houve apenas aclaramento da situação - explicou.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) cobrou do ministro explicações sobre a opinião dele em relação ao caixa 2. O parlamentar quis saber o que teria levado o ex-juiz a mudar de opinião para dizer que caixa 2 não é tão grave quanto a corrupção.
Moro negou ter mudado de ideia e disse que nunca minimizou a gravidade do crime:
— O governo apresentou um projeto de lei de modo adequado, baseado na transparência internacional. Como ministro posso dizer que vou trabalhar para que o projeto seja aprovado. Houve reclamações dessa criminalização ser tratada junto com crime organizado e, então, concordamos em separar. Eu nunca minimizei a gravidade do caixa 2. A corrupção tem a contrapartida. É mais grave, de fato, do que receber recursos eleitorais não declarados, o que não significa que essa segunda conduta não seja grave. No fundo é uma estratégia para aprovação — explicou.
Indagado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), o ex-juiz afirmou que é a favor da redução da maioridade penal para 16 anos em se tratando de crimes considerados graves. Outra alternativa, na visão dele, seria aumentar o tempo de internação de menores infratores, restrito hoje a apenas três anos. De todo modo, acrescentou, trata-se de um assunto que não está sendo tratado pelo Ministério no momento e que necessita de maior debate no Congresso Nacional.
O senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR) informou que vai ser relator de uma proposta que estabelece como 30 dias o tempo de férias para todos os servidores públicos, inclusive magistrados. Segundo o parlamentar, cada juiz julga por ano uma média de 1.194 processos, o que daria 100 processos por mês. Com a limitação das férias, os 18 mil juízes brasileiros poderiam julgam 1,8 milhão de processos a mais por ano, já que hoje em dia, na prática, os juízes têm dois dias de recesso na magistratura.
— É um tema polêmico e sugiro que o senhor converse com as associações de magistrados e representantes de classe. Eu, como juiz, tinha muito trabalho e sempre foi muito difícil tirar esses longos períodos de férias. Sugiro que ouça bastante as ponderações das associações de magistrados — aconselhou Sergio Moro.
Os senadores Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Eduardo Braga (MDB-AM) quiseram saber a opinião do ex-juiz sobre a formação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar irregularidades nos tribunais superiores. Moro foi sucinto e limitou-se a dizer que é um assunto a ser decidido pelo Congresso Nacional. Na terça-feira (26), o requerimento de criação da CPI foi arquivado, e caberá à CCJ se manifestar a respeito.
— É uma questão que tem que ser decidida pelo Congresso. É preciso resguardar a independência do Judiciário, mas resguardar igualmente a independência do Congresso. É uma questão que vai ser decidida com sabedoria pelos senhores parlamentares — opinou.
Questionado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) sobre o vazamento de informações de operações da Operação Lava Jato, o ministro disse haver muita confusão entre o que é de fato vazamento e o que é de acesso público. Segundo ele, salvo exceções, o processo é público e, na Justiça Federal, as informações podem ser acessadas por qualquer pessoa pela internet. Moro disse que vazamento é algo ilegal e nunca vazou nada para jornalistas durante sua atuação como magistrado.
Os senadores Major Olímpio (PSL-SP) e José Serra (PSDB-SP) se mostraram preocupados com uma portaria do Ministério da Justiça criando um grupo de trabalho para avaliar a conveniência da redução da tributação sobre cigarros fabricados no Brasil. Segundo Moro, não há ainda uma posição firmada sobre o assunto.
— Foi criado um grupo de trabalho, de estudo. Não há opinião formada. Não é questão de arrecadação ou contrabando. É um problema de saúde pública. O que está sendo constatado é que quase 50% do mercado nacional é dominado pelo cigarro paraguaio, de baixa qualidade. O que estamos entendendo é que existe um problema de saúde pública e estamos entendendo que esse mercado pode ser substituído pelo cigarro brasileiro — explicou.
Sobre a recente visita feita com o presidente Jair Bolsonaro à Agência de Inteligência Americana (CIA, do inglês Central Intelligence Agency), Moro disse tratar-se de um fato normal, visto que o órgão faz importante trabalho sobre terrorismo, que é uma preocupação mundial.
— É uma visita absolutamente normal, não existe nenhum problema em relação a isso — resumiu.
Artur Hugen, com Agência Senado/Foto: Edilson Rodrigues/AS
19 de Novembro, 2024 às 23:56