Participantes de audiência pública apontaram prós e contras para a mudança de regras de proteção de dados pessoas, determinados pela MP 869
. Trata-se da MP que regulamenta Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709, de 2018).
Um de seus dispositivos altera regras de compartilhamentos de dados entre entidades privadas, permitindo que, em alguns casos, seja dispensado o consentimento do titular. Esses compartilhamentos, na área da saúde, podem ocorrer entre empresas de seguro e hospitais, para efetuar pagamento de serviços; entre profissionais médicos, para composição de diagnósticos; e também entre clínicas e pesquisadores ou órgãos públicos, para subsidiar estudos e políticas públicas.
Glauce Carvalhal, superintendente jurídica da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), afirmou que a troca de dados sensíveis é essencial para a cadeia produtiva do setor.
— É imprescindível para que o sistema aconteça. Com essas trocas, aumentamos a segurança dos procedimentos, contribuímos para políticas públicas mais assertivas e combatemos fraudes — declarou.
Uma maior liberalidade no compartilhamento de dados médicos pessoais não significaria a quebra de sigilo de prontuários ou da privacidade dos pacientes, afirmou Fabio Cunha, presidente da Câmara Jurídica da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed). Ele salientou que esses princípios são invioláveis. Para o advogado, no entanto, afirmou que a exceção criada pela MP é uma modificação importante para viabilizar tarefas corriqueiras das atividades de saúde.
— A restrição [da lei] vai fazer a gente reavaliar procedimentos que são feitos no dia a dia. Ficaria vedado o compartilhamento de dados [entre] uma empresa que faz a medicina diagnóstica dentro de um hospital e o profissional de saúde do hospital — alertou.
Realidades como essa são fruto de uma maior complexidade e especialização da prestação de saúde. Segundo Ronaldo Lemos, representante da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), os avanços tecnológicos estão mudando “completamente” o setor, e a legislação precisa suportar esse cenário.
— O futuro da saúde são os dados. Eles permitem avanços em pesquisa, atendimento, tratamento. Vamos ter telemedicina, diagnóstico descentralizado, redução de custos logísticos — disse.
No campo da pesquisa, a modificação da MP colocaria o Brasil em linha com a comunidade internacional. Para Rodrigo Torres, diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
— Vários organismos internacionais que financiam pesquisa no Brasil estão regidas por legislações da União Europeia, que exigem uma série de normas para que esses convênios sejam realizados — observou.
Além da abertura para compartilhamento, Torres destacou que a lei precisa delimitar bem as entidades que terão esse acesso. O risco, caso contrário, é descaracterizar os próprios organismos de pesquisa. Também é necessário, para ele, garantir a independência da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão criado pela medida provisória e encarregado de supervisionar o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados.
Mesmo que o compartilhamento prospere, como determinado pela MP, os participantes da audiência ponderaram que ele poderia ser ainda mais restrito. Ronaldo Lemos, da CMB, afirmou que a previsão poderia se dar apenas em casos de benefício para o paciente. Isso acontece no curso do tratamento, mas também pode ter a ver com a precificação dos planos de saúde.
Dennys Antonialli, diretor-presidente do Centro de Pesquisa Independente em Direito e Tecnologia (InternetLab), explicou que uma maior disponibilidade de dados pessoais permite que os planos sofistiquem a sua oferta, o que poderia, em tese, resultar em planos mais baratos para uma parcela da população. Entretanto, ele acredita que isso traz, ao mesmo tempo, o risco de discriminação contra outro contingente.
Antonialli relatou que a sua entidade tem se preocupado em “conscientizar” cidadãos a respeito do uso que é feito dos seus dados pessoais, bem como do que significa dar o consentimento para que empresas acessem e manipulem as informações.
Raquel Saraiva, presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), disse que a abertura para mais hipóteses de compartilhamento de dados sem a intermediação dos titulares deve incentivar a obtenção de vantagens econômicas pelas operadoras de planos de saúde, especialmente. Mas esse passo seria prejudicial para os consumidores, uma vez que o setor já não é amigável para os usuários, declarou.
— Os consumidores brasileiros já têm problemas demais com o setor de saúde suplementar. São aumentos abusivos, cálculos atuariais obscuros, negativas de tratamento que precisam ser judicializadas. Se a redação da MP não for alterada, as empresas passarão a promover reajustes ainda mais gravosos — argumentou.
A Associação Nacional de Saúde Suplementar tem trabalhado para se adaptar à Lei Geral de Proteção de Dados no que diz respeito à sua alçada regulatória. A lei entra em vigor em 2020.
Daniel Pereira, diretor-adjunto da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da ANS, disse que está sendo desenvolvida uma regulamentação sobre como as operadoras de planos de saúde devem informar os seus clientes sobre o uso de dados pessoais fornecidos e coletados. A Agência também está elaborando normas de segurança da informação, de governança e de transparência para o setor.
Restam dúvidas, que Pereira espera esclarecer a partir da instalação da Autoridade de Dados, a respeito do papel da ANS em relação ao próprio uso de dados. O diretor observou que ainda não está claro se a Agência também será considerada uma controladora, assim como as demais empresas e entidades que tiverem acesso às informações sensíveis.
Já no setor privado, a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) tem criado uma rede de apoio em antecipação à entrada em vigor da Lei Geral. Marcelo Silva, diretor-executivo da entidade, enumerou as iniciativas. Uma comissão especial foi estabelecida para lidar com o tema, e a SBIS trabalha em um manual de boas práticas, uma pesquisa para medir o grau de maturidade do setor e uma avaliação de conformidade às normas legais. A entidade também vai pleitear participação no Conselho Nacional de Proteção de Dados.
A comissão mista que analisa a MP 869/2018 é presidida pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO). A medida provisória já recebeu 176 emendas. A audiência pública desta terça-feira foi última prevista pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). O relatório deve ser apresentado nesta terça-feria (23).
Artur Hugen, com Agêncai Senado/Foto: Jefferson Rudy/AS
19 de Novembro, 2024 às 23:56