As conversas vazadas de Sergio Moro são um revés para o Palácio do Planalto. O governo de Jair Bolsonaro tem duas torres gêmeas: 1) Paulo Guedes (Economia) e 2) Sergio Moro (Justiça).
Guedes enfrenta dificuldades para aprovar seus planos no Congresso, mas as coisas pareciam estar começando a andar. Agora, não se sabe como será o ritmo de trabalho do Legislativo.
Moro até agora aparecia incólume.
Nas manifestações de 26 de maio, um boneco do ministro vestido de super-homem foi colocado em frente ao Congresso. Pesquisa do final de maio indicou que 60% dos brasileiros queriam Moro no Supremo Tribunal Federal.
Agora, essa torre bolsonarista sofreu uma avaria.
O vazamento do conteúdo dos diálogos de Sergio Moro e Deltan Dallagnol terá consequências políticas (mais imediatas) e possivelmente legais (no médio e no longo prazo). Eis o que se pode afirmar, a quente, sobre o episódio:
Maia, Alcolumbre e Toffoli
Os chefes das duas Casas do Legislativo e o presidente do STF já não tinham uma relação muito amistosa com Moro. Ontem à noite, segundo apurou o Drive, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli decidiram que devem dar um gelo no ministro da Justiça. A interlocução será reduzida ao mínimo possível.
A tramitação de projetos sensíveis no Congresso deve sofrer algum atraso. Oposição e políticos do Centrão devem exigir a presença de Moro para prestar esclarecimentos. Muita coisa pode acabar andando mais lentamente –a reforma da Previdência, inclusive.
O projeto anticrime proposto por Moro dificilmente vai decolar no Congresso. A campanha publicitária a favor do pacote ainda não tem prazo para começar. Possivelmente nada será feito até que o caso atual seja resolvido.
STF e Lava Jato
Na terça-feira, a 2ª Turma do Supremo julga se os dirigentes do PP podem ser considerados integrantes de uma organização criminosa. Os dados vieram de Curitiba. A reação do STF será o umº termômetro de como pode ser o impacto legal dos vazamentos.
Réus Contestam
Advogados de defesa devem preparar uma enxurrada de ações apontando eventual falta de isenção das investigações e pedindo anulação de processos.
O artigo 129 da Constituição determina que cabe ao Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Ou seja, procuradores não devem se aconselhar com juízes do caso em que estão atuando.
Já o Código de Processo Penal, em seu artigo 254, determina que “o juiz dar-se-á por suspeito” quando “tiver aconselhado qualquer das partes”. Se não se afastar do caso, “poderá ser recusado por qualquer das partes”. Ou seja, há farto argumento jurídico para contestar a atuação de Moro e de Dallagnol.
A defesa de Lula se antecipou domingo (9.jun.2019) à noite, afirmando que “os processos estão corrompidos”.
Bolsonaro pressionado
O presidente terá de responder com precisão cirúrgica a esse caso. É comum a família Bolsonaro reclamar de falta de imparcialidade do Ministério Público (sobretudo no processo contra o senador Flavio Bolsonaro).
Agora, o conteúdo das mensagens entre Moro e Dallagnol indica que esse pode ter sido o caso. Jair Bolsonaro terá de explicar o “racional” por trás da eventual permanência de seu ministro da Justiça no cargo.
MP admite diálogos
A nota dos procuradores da Lava Jato sobre o episódio foi prolixa, contém alguns solecismos e acabou, de maneira talvez inadvertida, confirmando o teor das mensagens vazadas. Depois de reclamar da “ação criminosa” (o que é verdade), diz: “Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”. Ou seja, o que está no conteúdo divulgado é veraz.
Moro lamenta e admite chat
O ministro soltou nota pouco antes de 22h de domingo. Lamentou o ocorrido. Disse que esperava a divulgação da fonte anônima que vazou os dados (o que jamais acontecerá, pois o sigilo é protegido pela Constituição). Alegou que as mensagens não indicam “anormalidade ou direcionamento” de sua atuação “enquanto magistrado”. Ou seja, também confirma o teor dos vazamentos, mas não enxerga nada de errado porque as conversas teriam sido “retiradas de contexto”.
Mais tarde, o ministro publicou na internet, em seu perfil no Twitter, outro comentário minimizando o episódio: “Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato. Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas”.
Conflito de interesses
Quando acontece algum caso similar, qualquer governo logo solta uma nota dizendo que será aberta uma investigação e a Polícia Federal será acionada.
Ocorre que a PF é comandada por Sergio Moro.
Como poderá o ministro da Justiça presidir 1 processo no qual é uma das partes que deve ser perscrutada?
Greve Geral dia 14
Até o fim de semana, era pequena a perspectiva de ganhar tração o movimento programado para 14 de junho (sexta-feira) e promovido pela oposição e centrais sindicais, contra a reforma da Previdência.
O novo contexto formado pelos vazamentos de conversas de Sergio Moro pode servir de combustível para a oposição e para quem deseja protestar.
Centrão feliz
Os políticos acossados pela Lava Jato certamente vão convocar Moro o quanto antes para falar sobre o caso no Congresso. É mais 1 potencial constrangimento que o Centrão –sindicato de partidos da “velha política”– pode tentar impor ao governo.
Novela Longa
O site Intercept anunciou que tem farto material. Mais diálogos serão revelados nos próximos dias. Quem conversou com Moro ou Dallagnol deve se preparar para ter suas conversas divulgadas.
Por que isso importa
É plausível supor que o ritmo de votações no Congresso seja afetado por causa dos vazamentos de conversas de Sergio Moro. A oposição pode abrir sua caixa de ferramentas para obstruir ao máximo os trabalhos enquanto o ministro não der explicações mais detalhadas.
Isso pode complicar a aprovação do crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões (esperado para esta semana) e atrasar o trâmite da reforma da Previdência, entre outros projetos.
Nas redes sociais já havia se instalado no domingo (10) um clima de Fla-Flu entre os que defendem Sergio Moro no governo (bolsonaristas e movimentos como o MBL) e os que pedem a sua saída (oposição, com o PT à frente).
Não será trivial para Bolsonaro apenas afastar o ministro ou mantê-lo na cadeira.
A cartilha clássica nessas situações é algum tipo de afastamento, definitivo ou temporário. O que aconteceria se o chefe de Departamento de Justiça dos EUA fosse apanhado num caso semelhante? Certamente seria afastado rapidamente. É isso o que presidentes fazem para reduzir a temperatura política.
Ocorre que o Planalto não tem margem para atuar com tanta liberdade, pois muitos apoiadores de Bolsonaro idolatram Moro. Por essa razão, o ministro deve ficar no cargo e manter o discurso –junto com o Ministério Público– de que não houve “anormalidade” na atuação enquanto era magistrado da Lava Jato em Curitiba.
Por enquanto, o ministro conta com a simpatia de parte da população. Mais do que isso, a TV Globo no domingo (9) fez uma reportagem sóbria no programa Fantástico. A emissora disse ter ouvido especialistas. Esses especialistas “disseram que não viram práticas de irregularidades nos diálogos, mas sim desvios éticos por considerarem que 1 juiz não deve orientar acusadores”. É uma avaliação benigna e benfazeja para Moro, na principal rede de TV do país.
Tudo considerado, a tendência é que Moro fique onde está e o governo assuma que será necessário suportar alguma dispersão de energia política.
O impacto mais imediato será uma eventual lentidão dos trabalhos no Legislativo.
E se Moro sair?
É inevitável fazer 1 exercício a respeito dessa hipótese, embora seja bem remota neste momento.
O primeiro aspecto a ser analisado seria o eventual impacto dentro do mundo bolsonarista, os cerca de 25% a 30% dos eleitores que são o núcleo duro de apoiadores do presidente na sociedade. Por enquanto, parece inviável convencer esse grupo demográfico de que Moro deva ser descartado.
Como aqui se faz um exercício de cenários, é necessário imaginar que a oposição e políticos do Centrão farão o que for possível para demolir a reputação de seu principal algoz. É nesse embate que Bolsonaro deve ficar de olho.
O presidente não poderá segurar Moro se o custo-benefício for alto demais (por exemplo, o risco de implodir as chances de avanço da reforma da Previdência). Mas depois de uma semana ou 15 dias a temperatura pode arrefecer –o que sempre é possível, pois no Brasil nunca se perde dinheiro apostando que tudo quase sempre dá em nada. Nessa hipótese, o ministro da Justiça fica onde está.
Há, entretanto, muito de intangível e imponderável quando se tenta vaticinar o desfecho desse episódio. Tudo dependerá dos próximos capítulos do vazamento, que virão nos próximos dias. A ver.
Poder 360/Foto: Sérgio Lima/`poder 360
19 de Novembro, 2024 às 23:56