(Brasília-DF, 18/05/2022) Ontem, 17, o presidente Jair Bolsonaro(PL) apresentou uma notícia-crime contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal(STF), por abuso de autoridade por ele manter o chefe de governo como investigado no chamado Inquérito da Fake New”, depois que a PGR entendeu que não havia crime. Nesta quarta-feira, 18, o ministro Dias Toffoli arquivou no mérito a notícia-crime apresentada. Ele considerou que as alegações de abuso de autoridade não configuram crime. Com isso, rejeitou a petição no mérito.
Toffoli ressaltou que a maior parte das alegações se refere a assuntos da defesa, que devem ser apresentados nos respectivos processos investigatórios, não sendo viável a análise por outro ministro e fora do contexto dos autos.
“O Estado Democrático de Direito impõe a todos deveres e obrigações, não se mostrando consentânea com o referido enunciado a tentativa de inversão de papéis, transformando-se o juiz em réu pelo simples fato de ser juiz”, afirmou Toffoli.
Veja a íntegra da decisão de Toffoli:
PETIC?A?O 10.368 DISTRITO FEDERAL
RELATOR REQTE.(S) ADV.(A/S) REQDO.(A/S) ADV.(A/S)
DECISA?O:
: MIN. DIAS TOFFOLI
: J.M.B.
: EDUARDO REIS MAGALHAES
: A.M.
: SEM REPRESENTAC?A?O NOS AUTOS
Trata-se de “noti?cia-crime” ajuizada por Jair Messias Bolsonaro contra Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, relator do INQ 4.781/DF.
Em si?ntese, o requerente alega que supostamente teriam sido praticados os crimes descritos nos arts. 27, 29, 31, 32 e 33, da Lei n° 13.869/19 durante a conduc?a?o do referido inque?rito, descrevendo, para tanto, quatro fatos ocorridos no decorrer das referidas investigac?o?es.
Inicialmente, ressalta que
“O primeiro tipo penal atribui?vel ao ora Noticiado decorre do fato de que o Inque?rito n° 4.781 (fake news) foi instaurado ha? mais de tre?s anos e, mesmo assim, ate? o momento na?o fora apresentado sequer um relato?rio parcial de investigac?o?es por parte da Autoridade Policial. Considerando que, de acordo com o pro?prio Exmo. Min. Alexandre de Moraes, todo o material relacionado aos investigados estaria contemplado no Apenso no 70, de duas hipo?teses, ao menos uma. Ou o Inque?rito no 4.781 (fake news) esta?, injustificadamente, sendo estendido em prejui?zo dos investigados, uma vez que apo?s mais de trinta e seis meses na?o ha? nem mesmo um relato?rio parcial das investigac?o?es. Ou, enta?o, ha? relato?rios parciais e justificativas para prosseguimento do Inque?rito que esta?o sendo ocultados das defesas. Na primeira hipo?tese, restara? configurado o delito objeto deste to?pico, previsto no art. 31 da Lei n° 13.869/19. Na segunda hipo?tese, restara? evidente a pra?tica da conduta penalmente tipificada no art. 32 da Lei n° 13.689/19.”
Aduz, ainda, que
“O segundo delito de abuso de autoridade possivelmente praticado pelo ora Noticiado decorre das trinta e seis deciso?es que ele proferiu, ao longo dos u?ltimos tre?s anos no bojo do Inque?rito n° 4.781 (fake news), atrave?s das quais ele negou o acesso das defesas a diversos documentos ja? colacionados aos autos e utilizados em desfavor dos investigados na decisa?o de deflagrac?a?o de operac?a?o proferida em 26.05.20. Ademais, e? de se ponderar que, ate? onde se tem conhecimento, a u?ltima dilige?ncia investigativa foi realizada nos autos em setembro de 2.021, sendo que – ate? a presente data, maio de 2.022 – nenhuma defesa teve acesso integral aos autos de Inque?rito no 4.781 (fake news).”
Na seque?ncia, alega o seguinte:
“O terceiro possi?vel delito de abuso de autoridade que poderia ser atribui?do ao Exmo. Min. Alexandre de Moraes restou consubstanciado na prestac?a?o de informac?a?o que ele realizou acerca do Inque?rito n° 4.781 (fake news) quando do julgamento, perante o plena?rio do Supremo Tribunal Federal, da ADPF n° 572, ocorrido em 18.06.20. Tal fato poderia ser qualificado no que dispo?e o art. 29 da Lei no 13.689/19, segundo o qual e? crime a conduta de ‘prestar informac?a?o falsa sobre o procedimento judicial, policial (...) com o fim de prejudicar interesse de investigado.’”
Finalmente, assevera que
“O quarto fato imputa?vel ao ora Noticiado adve?m da decretac?a?o, por parte do pro?prio Exmo. Min. Alexandre de Moraes, do bloqueio das redes sociais de dezesseis investigados no Inque?rito n° 4.781 (fake
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news). A decretac?a?o de tal medida cautelar, ale?m de na?o estar prevista no art. 319 do Co?digo de Processo Penal, contraria o que dispo?e o art. 19, §1o, da Lei no 12.965/14, uma vez que o bloqueio nas redes sociais dos investigados ocorreu de modo integral, na?o se restringido apenas a?s postagens tida como ili?citas. Por tal raza?o, cogita-se que tal ato processual, realizado pelo ora Noticiado, poderia configurar a hipo?tese ti?pica do art. 33 da Lei no 13.869/19, segundo a qual e? delitivo o ato de se exigir o ‘cumprimento de obrigac?a?o, inclusive o dever de fazer ou de na?o fazer, sem amparo legal.’”
Ao final, requer
“A. Com fundamento no que preve? o art. 5o, inciso II, do Co?digo de Processo Penal, o recebimento e acolhimento da presente Noti?cia-Crime, bem como a instaurac?a?o de investigac?a?o em face do Exmo. Min. Alexandre de Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, para apurar os cinco fatos acima descritos e o possi?vel cometimento dos delitos dispostos nos arts. 27, 29, 31, 32 e 33, da Lei n° 13.869/19, por parte do ora Noticiado;
B. A formac?a?o dos autos de Inque?rito, com a juntada em tais autos desta petic?a?o, assim como dos documentos que a instruem;
C. Que seja oficiado ao Exmo. Min. Alexandre de Moraes, a fim de se requerer o envio de co?pia integral, volumes principais e apensos, dos autos de Inque?rito no 4.781 (fake news), dos autos de Inque?rito no 4.828 (atos antidemocra?ticos), dos autos de Inque?rito no 4.874 (mili?cias digitais) e dos autos de Petic?a?o no 9.005.”.
E? o relato?rio. Decido.
Constate-se, de plano, a atipicidade das condutas imputadas ao Ministro Alexandre de Moraes, tendo em vista ser pressuposto dos crimes
em questa?o a descric?a?o da finalidade especi?fica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, a indicac?a?o de mero capricho ou satisfac?a?o pessoal, consoante o disposto no art. 1o, § 1o da Lei no 13.869/2019.
Com efeito, na?o constam da “noti?cia-crime” nenhum destes elementos, raza?o pela qual o simples fato de o referido Ministro ser o relator do INQ 4.781/DF na?o e? motivo para se concluir que teria algum interesse especi?fico, tratando-se de regular exerci?cio da jurisdic?a?o.
Note-se, a propo?sito, que as objec?o?es ofertadas nestes autos, em tese, sequer poderiam constituir mate?ria relacionada a? suspeic?a?o do relator, inclusive tendo em vista a adverte?ncia a que alude o art. 256 do Co?digo de Processo Penal, no sentido de que “a suspeic?a?o na?o podera? ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propo?sito der motivo para cria?-la.”
Ademais, cumpre salientar que a maior parte das alegac?o?es do requerente dizem respeito a? mate?ria de defesa, que deve ser apresentada nos referidos procedimentos investigato?rios, na?o se mostrando via?vel que sejam analisadas fora do contexto daqueles autos, ainda mais por outro Ministro que na?o seja o pro?prio relator.
Nesse mesmo sentido, deve-se ressaltar que os recursos contra atos praticados por Ministros da Suprema Corte nos inque?ritos ou nas ac?o?es penais sa?o apreciados pelo Colegiado, que, inclusive, ja? teve a oportunidade de se debruc?ar sobre algumas das questo?es aqui ventiladas, na?o se podendo admitir que a “noti?cia-crime” seja utilizada como suceda?neo de recurso ou como maneira de se ressuscitar questo?es ja? apreciadas e sedimentadas por esta Suprema Corte.
A? guisa de exemplo, transcrevo a ementa do aco?rda?o da ADPF 572:
“EMENTA: ARGUIC?A?O DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ADPF. PORTARIA GP No 69 DE 2019. PRELIMINARES SUPERADAS. JULGAMENTO DE MEDIDA CAUTELAR CONVERTIDO NO ME?RITO. PROCESSO SUFICIENTEMENTE INSTRUI?DO. INCITAMENTO AO FECHAMENTO DO STF. AMEAC?A DE
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MORTE E PRISA?O DE SEUS MEMBROS. DESOBEDIE?NCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE NAS ESPECI?FICAS E PRO?PRIAS CIRCUNSTA?NCIAS DE FATO EXCLUSIVAMENTE ENVOLVIDAS COM A PORTARIA IMPUGNADA. LIMITES. PEC?A INFORMATIVA. ACOMPANHAMENTO PELO MINISTE?RIO PU?BLICO. SU?MULA VINCULANTE No 14. OBJETO LIMITADO A MANIFESTAC?O?ES QUE DENOTEM RISCO EFETIVO A? INDEPENDE?NCIA DO PODER JUDICIA?RIO. PROTEC?A?O DA LIBERDADE DE EXPRESSA?O E DE IMPRENSA.
1. Preliminarmente, trata-se de partido poli?tico com representac?a?o no Congresso Nacional e, portanto, legitimado universal apto a? jurisdic?a?o do controle abstrato de constitucionalidade, e a procurac?a?o atende a? “descric?a?o mi?nima do objeto digno de hostilizac?a?o”. A alegac?a?o de descabimento pela ofensa reflexa e? questa?o que se confunde com o me?rito, uma vez que o autor sustenta que o ato impugnado ofendeu diretamente a? Constituic?a?o. E, na esteira da jurisprude?ncia desta Corte, compete ao Supremo Tribunal Federal o jui?zo acerca do que se ha? de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental e, diante da vocac?a?o da Constituic?a?o de 1988 de reinstaurar o Estado Democra?tico de Direito, fundado na “dignidade da pessoa humana” (CR, art. 1o, III), a liberdade pessoal e a garantia do devido processo legal, e seus corola?rios, assim como o princi?pio do juiz natural, sa?o preceitos fundamentais. Por fim, a subsidiariedade exigida para o cabimento da ADPF resigna-se com a inefica?cia de outro meio e, aqui, nenhum outro parece, de fato, solver todas as alegadas violac?o?es decorrentes da instaurac?a?o e das deciso?es subsequentes.
2. Nos limites desse processo, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameac?a de morte ou de prisa?o de seus membros, de apregoada desobedie?ncia a deciso?es judiciais, arguic?a?o de descumprimento de preceito fundamental julgada
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totalmente improcedente, nos termos expressos em que foi formulado o pedido ao final da petic?a?o inicial, para declarar a constitucionalidade da Portaria GP n.o 69/2019 enquanto constitucional o artigo 43 do RISTF, nas especi?ficas e pro?prias circunsta?ncias de fato com esse ato exclusivamente envolvidas.
3. Resta assentado o sentido adequado do referido ato a fim de que o procedimento, no limite de uma pec?a informativa: (a) seja acompanhado pelo Ministe?rio Pu?blico; (b) seja integralmente observada a Su?mula Vinculante no14; (c) limite o objeto do inque?rito a manifestac?o?es que, denotando risco efetivo a? independe?ncia do Poder Judicia?rio (CRFB, art. 2o), pela via da ameac?a aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentam contra os Poderes institui?dos, contra o Estado de Direito e contra a Democracia; e (d) observe a protec?a?o da liberdade de expressa?o e de imprensa nos termos da Constituic?a?o, excluindo do escopo do inque?rito mate?rias jornali?sticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestac?o?es (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou na?o, desde que na?o integrem esquemas de financiamento e divulgac?a?o em massa nas redes sociais.”
Cumpre salientar que o art. 1o, § 2o da Lei 13.869/2019 afasta a possibilidade do chamado crime de hermene?utica, garantindo a independe?ncia e o livre convencimento dos magistrados, ao estabelecer que “a diverge?ncia na interpretac?a?o de lei ou na avaliac?a?o de fatos e provas na?o configura abuso de autoridade”.
De fato, o Estado Democra?tico de Direito impo?e a todos deveres e obrigac?o?es, na?o se mostrando consenta?neo com o referido enunciado a tentativa de inversa?o de pape?is, transformando-se o juiz em re?u pelo simples fato de ser juiz.
Nesse sentido, vide o seguinte precedente de relatoria do Ministro Roberto Barroso:
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“EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. NOTI?CIA-CRIME. ABUSO DE AUTORIDADE. AUSE?NCIA DE JUSTA CAUSA E ATIPICIDADE DAS CONDUTAS NARRADAS. ARQUIVAMENTO.
1. A atipicidade da conduta, a extinc?a?o da punibilidade ou a evidente ause?ncia de justa causa autorizam o arquivamento de noti?cia-crime pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
2. Se a negativa de acesso a autos de procedimento investigato?rio se basear na existe?ncia de dilige?ncias em curso ou futuras, cujo sigilo seja imprescindi?vel, na?o se cogita de pra?tica criminosa.
3. Na?o ha? crime de abuso de autoridade se o agente pu?blico na?o atua com a finalidade especi?fica (i) de prejudicar outrem ou (ii) de beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, (iii) por mero capricho ou satisfac?a?o pessoal.
4. Petic?a?o arquivada.” (PET 9.052/DF)
Diante desse cena?rio, os fatos descritos na “noti?cia-crime” na?o trazem indi?cios, ainda que mi?nimos, de materialidade delitiva, na?o havendo nenhuma possibilidade de enquadrar as condutas imputadas em qualquer das figuras ti?picas apontadas.
Ante o exposto, considerando-se que os fatos narrados na inicial evidentemente na?o constituem crime e que na?o ha? justa causa para o prosseguimento do feito, nego seguimento
Constato, por derradeiro, que, diante da ampla divulgac?a?o, pela imprensa, de considera?vel parte daquilo que foi encartado no presente feito, na?o mais se justifica a manutenc?a?o do sigilo.
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A? Secretaria Judicia?ria para as provide?ncias cabi?veis. Publique-se.
Brasi?lia, 18 de maio de 2022.
Ministro DIAS TOFFOLI Relator
Documento assinado digitalmente
( da redação com informações de assessoria. Edição: Genésio Araújo Jr.)
19 de Novembro, 2024 às 23:56