(Brasília-DF, 24/07/2022) Na manhã-tarde deste domingo, 24, o Partido Liberal( PL), como já se esperava, oficializou candidatura de reeleicão do Jair Bolsonaro e a escolha do general Walter Braga Netto como vice na chapa.
Chamou atenção a presença de uma mistura de caciques do Centrão, militares da reserva saudosos da ditadura militar, líderes evangélicos ultraconservadores, políticos e influenciadores de extrema direita, e membros do chamado conservadorismo fluminense. Tudo isso junto.
O evento no ginásio Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, repleto de apoiadores com as cores verde e amarelo, também foi usado como palco pelo presidente para lançar novos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Após uma oração comandada pelo deputado pastor Marco Feliciano (PL-SP), o microfone foi passado para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que tem trânsito entre igrejas evangélicas conservadoras e cuja imagem vem sendo instrumentalizada pela campanha como forma de diminuir a forte rejeição que o presidente sofre entre o eleitorado feminino.
"A reeleição não é por um projeto de poder, como muitos pensam, não é por status, porque é muito difícil estar desse lado. A reeleição é por um projeto de libertação", disse Michelle, numa fala carregada de tom religioso. "Declaramos que o Brasil é do Senhor."
Falando pouco depois, Jair Bolsonaro também fez uso de linguagem religiosa, adicionando ingredientes anticomunistas e elogios às Forças Armadas. "Esse é um país cristão, de valores, do presente e do futuro."
Bolsonaro, em seguida, repetiu falas já conhecidas contra o chamado Estado de Direito e incitou seus apoiadores contra o STF. "Nós temos que respeitar a Constituição", disse Bolsonaro, em um primeiro momento. Pouco depois, uma primeira menção feita por Bolsonaro provocou fortes vaias e gritos de apoiadores. "Supremo é o povo", gritaram apoiadores. O presidente esperou pacientemente o público encerrar os sons de repúdio.
Era apenas um ensaio. Minutos depois, Bolsonaro foi mais explícito, convocando seus apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no feriado de 7 de Setembro, tal como ocorreu na data de 2021, quando o presidente atacou o Tribunal em eventos que reuniram milhares de pessoas em Brasília e São Paulo.
"Convoco todos vocês agora para que todo mundo no 7 de Setembro vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse. "Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da constituição", disse Bolsonaro que passou a distribuir ataques ao STF depois que ministros da Corte ordenaram a prisão de aliados do governo e tomaram algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições.
Em outro momento, ao se voltar para Braga Netto, Bolsonaro ecoou de maneira indireta seu discurso golpista que tenta minar a confiança no sistema eleitoral. Após afirmar que seus apoiadores "são nosso exército", ele disse: "É o Exército que não aceita fraude. É o Exército que quer, merece e terá respeito, formado por 210 milhões de brasileiros".
O presidente ainda chegou a pedir que seus apoiadores gritassem "juro dar minha vida pela minha liberdade". "Repitam", disse o presidente, que foi atendido pelos presentes.
A convenção do PL ocorre 70 dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. No momento, o presidente aparece em grande desvantagem nas pesquisas e seu governo é reprovado por 47% dos brasileiros - somente 26% tem uma visão positiva. Levantamento Datafolha divulgado no final de junho mostra que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está 19 pontos à frente de Bolsonaro, marcando 47% contra 28%, e com chances de ganhar já no primeiro turno. O PT oficializou a chapa de Lula na última quarta-feira.
Durante o evento deste domingo, Bolsonaro atacou Lula. Bolsonaro afirmou que o petista quer "descontruir a heteronormatividade" e "criou a ideologia de gênero" para que "crianças a partir dos 5 anos de idade" sejam estimuladas a "fazer sexo".
Convenção mais "recheada" que em 2018
Entre os participantes da convenção estavam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro; o ex-presidente e senador Fernando Collor; o ex-ministros Eduardo Pazuello, Onyx Lorenzoni e Tarcísio de Freitas; o senador Romário; e figuras do baixo clero da extrema direita bolsonarista como os deputados Daniel Silveira, Hélio Lopes e Carla Zambelli, além do advogado do presidente, Frederick Wassef, que ganhou notoriedade em 2020 após esconder o ex-faz-tudo do presidente Fabrício Queiroz em um sítio em Atibaia quando este era investigado pela Justiça. O ex-PM Queiroz, por sua vez, nesta semana chegou a publicar nas redes sociais convocações para a convenção deste domingo, mas não apareceu no evento.
A convenção que oficializou a candidatura à reeleição neste domingo contrastou com o evento que marcou o lançamento do nome de Bolsonaro em 2018. No último pleito, o evento foi organizado pelo então nanico PSL e não contou com a participação de figuras políticas relevantes, acabando por ser dominado por uma mistura de militares da reserva e membros desconhecidos da extrema direita que ainda projetavam seus nomes. Naquela campanha, Bolsonaro só viria a conseguir fechar uma aliança com o também insignificante PRTB, sigla que à época abrigava seu atual vice, Hamilton Mourão, hoje no Republicanos.
Desta vez, com o poder da máquina federal, Bolsonaro oficializou um leque de alianças mais robusto. Saiu de cena o nanico PRTB. Entraram o PL, PP, Republicanos e PTB - siglas que somam 179 deputados federais e 19 senadores no Congresso. Caciques do Centrão - grupo de legendas sem ideologia definida que se aproxima de governantes em busca de cargos e verbas - também marcaram presença, entre eles Valdemar Costa Neto (presidente do PL), Ciro Nogueira, (presidente licenciado do PP); e Marcos Pereira (presidente do Republicanos).
Em 2018, vários desses partidos apoiaram a candidatura do então tucano Geraldo Alckmin à Presidência. Na ocasião, Bolsonaro atacou o ex-governador, afirmando que sua aliança reunia "a nata do que há de pior do Brasil". Uma das cenas mais célebres da convenção de 2018 foi o registro do general Augusto Heleno, no palco, ao lado de Bolsonaro, cantarolando "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão".
Bolsonaro se filiou oficialmente ao PL em janeiro, marcando sua volta ao Centrão
Embora a rejeição retórica contra o Centrão tenha arrefecido nas fileiras bolsonaristas, isso está longe de ser um sinal de moderação do presidente. Diante da desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro tem multiplicado ataques ao sistema eleitoral, especialmente às urnas eletrônicas, espalhando mentiras sobre a segurança dos equipamentos e direcionando críticas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A estratégia vem sendo encarada por observadores como um ensaio para uma eventual tentativa de golpe de estado no caso de uma derrota, a exemplo do que ocorreu nos EUA após o pleito de 2020, quando o republicano Donald Trump - ídolo de Bolsonaro - espalhou falsas acusações de fraude na votação e instigou uma violenta insurreição contra o Congresso americano após fracassar na sua tentativa de reeleição. Embora os principais políticos do Centrão tenham evitado abraçar na totalidade a paranoia em relação às urnas e a retórica golpista de Bolsonaro, os caciques partidários têm mostrado pouco incômodo com as ações do presidente. Ciro Nogueira, por exemplo, chegou a afirmar nesta semana que Bolsonaro tem o "direito de criticar" as urnas.
Braga Netto oficializado como vice
Enquanto a modesta convenção de 2018 foi marcada pela ausência de anúncio do companheiro de chapa presidencial, o evento deste domingo oficializou quem será o vice de Bolsonaro: o general Walter Braga Netto. Desta vez, o presidente decidiu não concorrer novamente ao lado do atual vice, general Hamilton Mourão.
General quatro estrelas de 65 anos, Braga Netto ganhou projeção quando chefiou a operação militar de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018, durante o governo do presidente Michel Temer. No período, o estado registrou alguma melhora em alguns índices de criminalidade, mas o saldo final foi alvo de críticas: o número de tiroteios registrou um aumento robusto e o número de mortes causadas pela polícia explodiu. A intervenção também foi marcada por episódios trágicos como o assassinato da vereadora de esquerda Marielle Franco por dois ex-policiais.
Sob o governo Bolsonaro, Braga Netto ganhou ainda mais destaque - muitas vezes negativo. Em 2020, ele assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo. Na pasta, coordenou as ações do governo federal no primeiro ano da pandemia, no período que foi marcado pela explosão de casos da doença, atrasos na compra de vacinas e promoção de tratamentos ineficazes e até potencialmente perigosos. Braga Netto, no entanto, foi em grande medida poupado pela CPI da Pandemia, que evitou antagonizar de frente com as Forças Armadas cooptadas por Bolsonaro. Em 2021, quando passou para a comandar o Ministério da Defesa, o general chegou a divulgar uma nota em tom de ameaça contra o presidente da CPI, senador Omar Aziz, após este apontar que "membros da parte podre das Forças Armadas" estavam "envolvidos com falcatrua dentro do governo".
Ainda em 2021, dez dias após assumir a pasta da Defesa, Braga Netto divulgou uma ordem do dia direcionada aos quartéis no qual defendeu a celebração do golpe militar de 1964. No texto, o então ministro chamou o golpe de "movimento de 31 de março de 1964" e não fez qualquer menção à ditadura que foi instalada posteriormente ou à dura repressão ocorrida neste período, onde reinou a censura e perseguição política.
Braga Netto repetiu a dose em 2022, desta vez afirmando que o golpe "fortaleceu a democracia" e foi "um marco histórico da evolução da política brasileira".
(da redação com informações da DW Brasil. Edição: Genésio Araújo Jr.)
19 de Novembro, 2024 às 23:56