Brasil está perto de aprovar a reforma tributária Senado lapidará o texto aprovado pela Câmara em direção à simplificação do sistema, redução do Custo Brasil e crescimento do PIB, escreve Flávio Arns...
Sabemos que o sistema tributário nacional tem graves e antigos problemas. É extremamente complexo, pouco transparente e oneroso. Segundo o Banco Mundial, o Brasil é o 7º pior país para se pagar tributos, com custo anual estimado em R$ 72 bilhões só para que as empresas consigam calcular os impostos devidos.
Também favorece a elevada judicialização, o calote e a evasão fiscal. O Brasil tem contencioso judicial tributário de metade do tamanho do PIB nacional (R$ 5 trilhões), com R$ 3 trilhões em dívida ativa e com aproximadamente R$ 600 bilhões sonegados todos os anos.
O sistema também é propício para concessão de benefícios fiscais a torto e a direito, sem o devido planejamento e avaliação de resultados: a renúncia fiscal, só em nível federal, perfaz a quantia de R$ 600 bilhões por ano.
A confusa matriz tributária brasileira é perfeita para estimular o trabalho informal. Cerca de R$ 380 bilhões em tributos são anualmente perdidos por causa da informalidade. Além disso, nossa matriz tributária é altamente recessiva. Ou seja, os pobres acabam pagando proporcionalmente mais impostos (32% de sua renda) em comparação com os ricos (21% de seus rendimentos).
O resultado de tudo isso, mostra a ONU, é que o Brasil é a nação democrática mais desigual do mundo, só perde para o Qatar, que não adota regime democrático.
Por causa dos efeitos perniciosos da nossa matriz tributária, vivemos em um país onde os 5% mais abastados da população recebem, por mês, o mesmo que os demais 95% juntos. Onde o 1% mais rico concentra quase a metade (48%) de toda a riqueza nacional.
Hoje, 6 brasileiros têm a mesma riqueza que a soma do que tem a metade mais pobre da população –mais de 100 milhões de pessoas.
Toda essa desigualdade socioeconômica abissal do Brasil não é só um problema de justiça social, mas, também, consiste em grave obstáculo ao crescimento econômico de qualquer sociedade que se preze capitalista: enquanto os mais pobres –que infelizmente são a maioria no nosso país– não tiverem poder aquisitivo e condições dignas de vida, não haverá mercado de consumo apto a girar a contento a roda da nossa economia.
Assim, diante de todos esses fatos tristes e inegáveis, se existe um grande consenso na sociedade brasileira, entre todas as pessoas, independentemente de sua classe social, é de que a reforma ampla da nossa matriz tributária é medida extremamente urgente e necessária.
Então, se o que fazer é consenso de todos, a questão que se coloca é o como fazer essa profunda reforma. É disso que se trata a PEC 45 de 2019, aprovada pelos deputados federais em 7 de julho, e que agora está sob exame do Senado Federal.
A essência dessa PEC não é novidade alguma, pois há muitos anos vários especialistas, acadêmicos e grupos de trabalho do Congresso Nacional têm se debruçado sobre a ideia de simplificar as regras e unificar diversos tributos que existem atualmente....
A PEC sugere, então, fundir o ICMS (imposto estadual cobrado por dentro, isto é, incidente sobre ele mesmo, e causador da interminável guerra fiscal entre os Estados) com o ISS (imposto municipal cobrado em cascata, ou seja, cumulativo em todas as fases da cadeia econômica e que não respeita o princípio do destino), criando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), o qual teria competência compartilhada por Estados, DF e municípios.
De outro lado, seriam unificados o PIS e a Cofins (tributos federais que permitem a cobrança cumulativa, a depender do regime tributário da empresa, e cujos valores entram na base de cálculo de outros tributos), criando a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência exclusiva da União.
A vantagem em unificar esses tributos é que todas as dezenas de milhares de leis e regulamentos complexos, que atualmente tratam dos tributos hoje existentes, seriam todos extintos e substituídos por uma única lei nacional para o IBS e outra para a CBS.
Os novos tributos teriam todos os predicados positivos que faltam aos nossos impostos atuais: não serão mais cumulativos; não incidirão sobre eles mesmos e nem sobre outros tributos; não permitirão benefícios fiscais fora das hipóteses previstas na Constituição Federal; e respeitarão o princípio do destino, ou seja, os Estados e municípios só poderão cobrar impostos dos seus próprios cidadãos, não mais podendo cobrar tributos de cidadãos de outros entes federados.
O texto aprovado pela Câmara dos Deputados, de fato, não é perfeito, pois precisa de diversos ajustes e aprimoramentos, que certamente serão promovidos pelo Senado Federal. Mas a essência da PEC, no sentido da unificação e simplificação tributária, é bastante positiva.
Nunca estivemos tão perto da reforma tributária. Pela primeira vez na história, temos PEC aprovada por uma das Casas Legislativas propondo mudança ampla e sistêmica na matriz tributária brasileira. Ela apresenta diretrizes importantes, um caminho a seguir.
Agora, no Senado, vamos trabalhar para lapidar o texto, em direção à simplificação do sistema tributário, redução do Custo Brasil, crescimento do PIB e consequente criação de empregos, combate à sonegação, fim da cumulatividade, fim da guerra fiscal, tratamento geral equânime de setores da economia, redução do contencioso judicial, e promoção da justiça social com redução de desigualdades.
Pretendemos fazer isso com ampla participação da sociedade, pois, afinal, a tão esperada reforma tributária trará impactos importantes nesta e nas futuras gerações. Por isso, informação, diálogo e transparência nas discussões são fundamentais.
Sobre Flávio Arns
Flávio Arns, 72 anos, é senador pelo PSB e presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. É formado em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e em letras pela PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Tem Ph.D. em linguística pela Northwestern University (EUA). Em 1983, participou da fundação da Pastoral da Criança. Iniciou sua caminhada política em 1991, quando assumiu o 1º de 3 mandatos como deputado federal. Em 2002, elegeu-se senador. De 2011 a 2014, foi vice-governador do Paraná e secretário de Educação.
Texto, originalmente, publicado no Portal PODER 360
19 de Novembro, 2024 às 23:56