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Senado deve analisar renegociação de dívidas estaduais; Pacheco quer urgência

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Pacheco (ao fundo à esq.) em reunião com governadores. Senador apresentou projeto de renegociação das dívidas

Após quase dez reuniões oficiais com governadores e representantes do governo federal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou no início de julho o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). No segundo semestre, é a vez de os senadores analisarem pontos já discutidos pelos chefes do Poder Executivo, como a transferência de ativos para a União ou as áreas que poderão receber investimentos dos estados para ter o valor abatido da dívida.

O projeto de lei complementar (PLP) 121/2024 ainda não tem sua tramitação definida, mas Pacheco já anunciou que o senador Davi Alcolumbre (União-AP) será relator e que deve haver regime de urgência. Para o presidente do Senado, atualmente há uma “inadimplência total ou parcial” que será revertida, caso o projeto vire lei.

“Ao viabilizar negociações vantajosas para ambas as partes, dívidas que hoje estão suspensas voltarão a ser adimplidas. O Propag é uma solução que permitirá que os estados solucionem de forma definitiva o problema do endividamento, e que a União volte a receber os pagamentos das dívidas”, diz na justificação do projeto.

O ingresso no Propag será por pedido de adesão do estado que tiver dívidas com o Tesouro Nacional até 31 de dezembro de 2024.

'Preço de banana'

Ao prever que empresas estatais podem ser transferidas para a União como forma de abater a dívida, o projeto altera o atual modelo do Regime de Recuperação Fiscal (RRF — Lei Complementar 159, de 2017). O RRF permite a quitação de parte da dívida com recursos oriundos das privatizações das estatais estaduais. Segundo Pacheco, o mecanismo, defendido por alguns setores, é injusto por permitir ao mercado pagar um valor baixo para um ativo que considera da sociedade. O senador apontou a divergência sobre o trecho no 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que ocorreu no dia 12 de julho. 

— Alguns setores do mercado financeiro querem, nada mais nada menos, adquirir a preço de banana propriedades e os ativos dos estados endividados. Eles arrepiam em pensar na ideia de federalização — disse o senador. 

Formas de pagamento

Além da transferência de estatais ou de sua parte acionária, os estados podem pagar a União com:

  • moeda;
  • bens móveis ou imóveis;
  • cessão de créditos do estado para com o setor privado;
  • transferência de créditos do estado junto à União;
  • cessão de créditos inscritos na Dívida Ativa estadual;
  • outros ativos.

Para isso, é preciso haver comum acordo entre a União e o estado devedor. No caso da transferência de crédito em dívida ativa (cadastro de pessoas que devem ao poder público), não ocorrerá nenhuma alteração na situação da pessoa devedora. Ela não poderá, por exemplo, ter direito a uma certidão de “nada consta”. O montante da dívida ativa transferido também não poderá ultrapassar 10% da dívida.

Já em casos de transferência de estatais, bens móveis, imóveis ou outros ativos, o estado e a União terão 120 dias para negociar e divulgar acordo de transferência.

Descontos nos juros

O Propag possui alternativas que permitem ao estado diminuir os juros cobrados por ano atualmente: 4% somados à correção da inflação pelo índice IPCA. Na melhor das hipóteses, o estado poderá ter a dívida corrigida apenas pela inflação. 

O texto atende a demanda de governadores que se reuniram com Pacheco. Em encontro no dia 15 de abril com Pacheco, por exemplo, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, criticou os juros atuais e sugeriu correção pelo IPCA + 1% para permitir flexibilidade na gestão estadual. 

— Os estados estão engessados, devido a essas correções das dívidas com a União que chegam a um nível estratosférico, não restando nada para que os governos invistam — disse Caiado.

Fundo

Para reduzir os juros, o projeto prevê que em todos os casos o valor correspondente a um ponto percentual dos juros cobrados não será pago à União, mas aportado em um novo “fundo de equalização federativa”. A ser instituído pelo Poder Executivo federal, o fundo visa criar condições estruturais de produtividade, enfrentamento das mudanças climáticas, melhoria da infraestrutura, segurança pública e educação, especialmente relacionadas à formação profissional da população.

O fundo possuirá regras próprias e será de natureza privada. Os valores serão distribuídos anualmente entre os estados. O ente mais beneficiado não poderá receber mais de três vezes que o menos beneficiado. 

Superendividados

Segundo Pacheco, o fundo balanceará o uso dos recursos entre os estados, pois o Propag foi pensado principalmente para aqueles superendividados. A estimativa é que São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul representam quase 90% de todos os R$ 764,9 bilhões devidos à União. 

Das quatro reuniões oficiais com governadores de estado, apenas o estado de Goiás não era das Regiões Sul ou Sudeste. 

Exclusão

Além dos aportes no fundo, o projeto permite que até dois pontos percentuais sejam excluídos dependendo da parcela da dívida que for paga antecipadamente.

Juro cobrado

Condição

IPCA + 3%

Para estado que realizar a redução de no mínimo 10% da dívida 

IPCA + 2%

Para estado que realizar a redução de no mínimo 20% da dívida 

Em reunião com Pacheco em 2 de julho, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, questionou o impacto que as transferências de ativos poderia ter na proporção total da dívida. 

— Para uma dívida como a de Minas Gerais, de R$ 160 bilhões, se você transferir, abater ativos de R$ 20, 30 ou 40 milhões, você ainda continua com uma dívida monstruosa — disse o governador na reunião.

A estimativa feita por Zema permitiria, de acordo com o projeto de Pacheco apresentado uma semana após a reunião, o benefício da redução de juros.

Mais descontos

O restante dos juros que se somam ao IPCA, ao invés de ser entregue à União, podem ser reinvestidos em infraestrutura (como obras e compra de equipamentos permanentes) pelo próprio estado em alguma dessas áreas:

  • educação profissional técnica de nível médio;
  • universalização do ensino infantil e educação em tempo integral;
  • saneamento;
  • habitação;
  • adaptação às mudanças climáticas;
  • transportes;
  • ou segurança pública.

A prioridade será a educação profissional técnica de nível médio, que terá metas estipuladas em futura regulamentação. Esse foi um dos pontos defendidos pelo governo federal nas negociações. Em reunião no dia 19 de junho, o ponto foi acordado entre Pacheco e o chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, ministro Alexandre Padilha

O não cumprimento das metas cria obstáculos para investimentos em outras áreas e pode gerar até a perda do benefício de juros reduzidos. Além disso, é vedado gastos em despesas correntes (que não se incorporam ao patrimônio), como despesa de pessoal.

Os setores indicados também serão beneficiados com os investimentos do fundo de equalização federativo.

Arcabouço fiscal

Outra exigência do Propag é a adoção pelos estados de um regime fiscal nos moldes do “novo arcabouço fiscal” (Lei Complementar 200, de 2023). Os entes que aderirem ao programa terão 12 meses para instituir as normas para permitir, como regra, aumento de despesa primária apenas na proporção da inflação, ou seja, o valor do orçamento corrigido pelo IPCA. O aumento só poderá ser maior caso haja mais arrecadação.

Aumento de gasto (além da correção pelo IPCA)

Condição

0%

se não ocorrer aumento real na receita primária no ano anterior.

50% da variação real positiva da receita primária apurada.

se o estado não arrecadar mais do que gastou (resultado primário nulo ou negativo).

70% da variação real positiva da receita primária apurada.

se o estado arrecadar mais do que gastou (resultado primário positivo).

Prazos

O refinanciamento no programa deve ocorrer em até 360 parcelas mensais sucessivas e constantes, corrigidas mensalmente. O valor mínimo planejado para a parcela é de R$ 10 milhões. A qualquer tempo, os estados poderão realizar pagamentos extraordinários. 

Segundo Pacheco, a expectativa é de que ocorram negociações ao longo dos próximos 30 anos.

Sanções

Será vedada a contratação de novas operações de crédito pelo estado para o pagamento das parcelas, sob pena de desligamento do Propag. A punição também será aplicada para atraso das parcelas pelo período de:

  • três meses consecutivos;
  • ou seis meses não consecutivos em um prazo de 36 meses.

Reuniões 

Desde o final de 2023, Pacheco se reunião nove vezes para tratar das dívidas estaduais.

Data

Assunto tratado

21 de novembro 2023

Entrega ao governo federal sugestão de um novo modelo de repactuação das dívidas, tomando por base o caso do estado de Minas Gerais 

22 de novembro de 2023

Reunião com Romeu Zema para discutir a proposta para o pagamento da dívida de Minas Gerais com a União 

07 de dezembro de 2023

Discussão da proposta com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira de Oliveira 

26 de março de 2024

Reunião com Haddad e governadores de estados superendividados das regiões Sul e Sudeste

08 de abril de 2024

Reunião com Haddad e Padilha sobre proposta do Ministério da Fazenda 

15 de abril de 2024

Reunião com governadores de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul

31 de maio de 2024

Reunião com governo federal sobre suspensão da dívida diante das tragédias do Rio Grande do Sul 

19 de junho de 2024

Discussão com Padilha sobre áreas de reinvestimento 

02 de julho de 2024

Nova reunião com governadores de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul 

09 de julho de 2024

Apresentação do PLP 121/2024

Origem das dívidas

Entre as décadas de 1970 e 1990, os estados emitiam títulos de dívida estaduais como forma de aumentar a arrecadação. Mas crises econômicas nos anos 80, altas de juros na implementação do Plano Real e outros fatores levaram esses entes a uma séria condição fiscal. Após graduais restrições no poder de emissão de títulos, a União assumiu e refinanciou, em 1997, a maior parte das dívidas dos estados e municípios.

Fonte: Agência Senado – Foto: Pedro Gontijo – AS – Postado por jornalista Artur Hugen