Moro defende sua atuação como juiz e fala em grupo criminoso para invalidar Lava Jato
Moro nega conluio com Ministério Público em sentenças da Lava Jato
Mesmo alegando que as mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil podem ter sido alteradas, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, defendeu nesta semana (19), em audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sua atuação como juiz e afirmou que não há infrações ou desvios de conduta nas conversas com procuradores da Lava Jato. O ministro também apontou a existência um grupo criminoso criado para invalidar condenações, prejudicar investigações em curso e atacar as instituições.
— Várias pessoas lendo essas mensagens não identificaram ilícitos, ilegalidades ou qualquer desvio ético. Na tradição jurídica brasileira não é incomum que juiz converse com advogado, policia. E no caso do juiz criminal é comum que receba delegados e procuradores e converse sobre diligências que serão requeridas. Isso é absolutamente normal — disse Moro.
Moro veio ao Senado prestar esclarecimentos sobre o vazamento de supostas mensagens trocadas com integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato enquanto ainda era juiz. A reunião começou às 9h18. O ministro tinha 30 minutos para sua exposição inicial, mas usou pouco mais de 20 minutos em sua explanação. Durante sua fala, ele ressaltou que não pode confirmar a autenticidade pois não tem mais acesso às mensagens. Disse que seu celular foi hackeado e que não utiliza o aplicativo Telegram desde 2017.
— Eu saí do Telegram e não tenho essas mensagens para afirmar se são autênticas ou não. Tem algumas coisas que eventualmente posso ter dito. E algumas que me causam estranheza. Mas vejo que podem ser parcialmente adulteradas. Por isso, desde o início sempre nos referimos como supostas mensagens, pois não tenho como verificar a legitimidade de material — disse.
Sobre o ataque a seu celular, Moro contou que a invasão está sendo apurada pela Polícia Federal e afirmou que não tem “nenhum receio do que tem dentro do aparelho”. Para ele, não foi ação de um hacker isolado, mas de um grupo criminoso.
— Quem faz essas operações de contra inteligência não é um adolescente com espinhas, mas um grupo estruturado. Isso é um ataque a instituições — avaliou o ministro.
Segundo reportagem do The Intercept Brasil, o ex-juiz mantinha colaboração com procuradores durante a Operação Lava Jato, prática que seria contrária ao que manda a Constituição. Moro disse que se colocou à disposição da CCJ para esclarecimentos por conta do sensacionalismo que está sendo feito sobre as notícias veiculadas pelo site. Moro disse que o site violou regras do jornalismo e reclamou de não ter sido ouvido antes da publicação das matérias.
O ministro saiu ainda em defesa da Lava Jato ao afirmar que a operação "foi responsável pela quebra no padrão de impunidade no Brasil”.
Antes da exposição inicial de Moro, o senador Humberto Costa (PT-PE) pediu esclarecimentos sobre quais condições os senadores ouvirão as explicações de Moro, como investigado ou convidado. A senadora Simone Tebet esclareceu que Moro não comparece à CCJ nem como testemunha, nem como investigado, e sim como uma autoridade que veio voluntariamente à Casa para fazer esclarecimentos.
Em seguida começaram os questionamentos dos senadores. Conforme explicou a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), os senadores inscritos, intercalados por ordem de partido, terão cinco minutos para perguntas. O ministro terá o mesmo tempo para resposta e, depois serão mais dois minutos para réplica e tréplica.
Vazamentos
As primeiras reportagens apontando para a troca de mensagens entre Moro, o procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa por meio do aplicativo Telegram sobre procedimentos e decisões em processos foram publicadas no dia 9 deste mês pelo site The Intercept Brasil. O ministro se ofereceu a vir voluntariamente ao Senado depois que o senador Angelo Coronel (PSD-BA) apresentou requerimentos para que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) ouvisse Moro e Dallagnol.
Moro nega conluio com Ministério Público em sentenças da Lava Jato
A relação entre juízes, promotores, advogados e delegados dominou parte dos debates na audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. O ex-magistrado rebateu a acusação de que agiu de forma parcial na Operação Lava Jato com números. Segundo ele, foram 90 denúncias, 45 sentenças e 44 recursos interpostos pelo Ministério Público. De 291 acusados, 211 foram condenados e 63 absolvidos, o que demonstra não ter havido convergência de ações.
— Qual o conluio? Qual a convergência? O que havia no fundo era muita divergência. Também existe parcial convergência: não quer dizer que, se absolvo alguém, tenho conluio com advogado. E também não quer dizer que, se condeno alguém, tenho acordo com o Ministério Público. A Lava Jato não era de atuação exclusiva minha. Aliás, nunca um juiz teve tanto recurso contrário às suas decisões como eu, por que os casos eram difíceis e envolviam pessoas poderosas. Quem foi condenado foi condenado nas provas que cometeu corrupção. E grande corrupção — explicou.
Ainda segundo o ministro, são normais na Justiça brasileira as conversas entre integrantes do processo, e o aplicativo Telegram usado era apenas para agilizar a troca de informações. Ele disse que também recebia advogados, como comumente outros juízes fazem.
— Eu recebi advogados em minha sala. Conversávamos informalmente. Não é adiantamento de decisão, não é conselho, mas uma interlocução normal em qualquer fórum de Justiça. O dado objetivo é que não há nenhuma espécie de conluio [...] O aplicativo foi apenas uma troca mais rápida de conversa, se é que são de todo autênticas. Não tem nenhum aconselhamento, apenas uma interlocução. Não tem comprometimento da impessoalidade. Onde está o comprometimento da imparcialidade? — indagou.
Apoio
O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) defendeu o ex-magistrado e disse que Moro foi vítima de autores de crimes cujos autores precisam ser identificados. Ainda segundo o senador, quem conhece o sistema jurídico brasileiro sabe que conversas no curso do processo acontecem, são os famosos "despachos auriculares".
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por sua vez, lembrou que a maioria das operações anteriores contra a corrupção no Brasil foram sepultados em brechas jurídicas ou estratégias políticas. E, segundo ele, as decisões da Lava Jato foram objeto de centenas de recursos interpostos pelos melhores advogados e pelas bancas mais caras e, ainda assim, resistiram incólumes.
— Tem gente condenada em quatro instâncias. Os melhores advogados do Brasil. E cabe perguntar: pagos, não se sabe como. E ninguém pode fingir inocência em não saber o nível de acesso dos advogados aos tribunais. Mesmo assim, a maioria das decisões foi mantida. As provas foram absolutamente sólidas. O que restou aos condenados e ao grupo político ferido de morte é uma batalha de narrativas políticas. Nesse caso, as instituições brasileiras foram testadas a exaustão. Recursos infidáveis. E o que sobrou foi isso — opinou.
Os senadores Marcos do Val (Cidadania-ES) e Soraya Thronicke (PSL-MT) também saíram em defesa do ministro Moro. Para ele, os vazamentos das conversas — as quais não se pode atestar a veracidade — deixa claro a tentativa de se barrar a luta contra a corrupção no país.
Críticas
O senador Weverton (PDT-MA) fez questão de ressaltar que não se trata de discutir a luta da sociedade brasileira contra a corrupção, mas a conduta de um ex-juiz num processo. Para ele, os brasileiros merecem e precisam saber a verdade.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que foi delegado de polícia, disse que o comportamento de Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol violou o que há de mais "sagrado no processo penal": a isonomia e o tratamento igual entre as partes.
— Se eu tivesse contato por WhatsApp com advogado de contra quem instaurei inquérito, acho que sairia preso da delegacia do qual era titular. O juiz está para o processo assim como o delegado para o inquérito — afirmou.
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) quis saber se Moro manteve contatos regulares com desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF-4). Ele também quis saber se a esposa do ex-juiz advoga ou já advogou para empresas internacionais do setor petrolífero, se o juiz havia pago R$ 170 mil para um curso de media trainning para ir ao Senado prestar esclarecimentos e sobre a dosimetria das penas impostas.
— Essas perguntas são para saber que relação o senhor tinha com outros membros da operação, já que o senhor o tempo todo disse como o Ministério Público deveria agir. O senhor não guardou distância — alegou.
O ministro disse que a mulher dele nunca trabalhou para petrolíferas e sequer atua nas áreas cível e penal e negou ter feito curso de mídia. Ainda segundo ele, no curso da Lava Jato, houve fake news dizendo que ela atuaria para a Shell e que ele estava a serviço do serviço de inteligência americano.
— Esse fato não existiu. O senhor está fantasiando. Desde que ocorreram os fatos, procuramos parlamentares para esclarecer, e o único auxilio que tenho recebido é da assessoria de imprensa do Ministério da Justiça. Não preciso de mídia para vir aqui falar a verdade — afirmou.
Sérgio Moro disse ainda nunca ter dirigido atuações dos tribunais superiores e nunca ter conversado sobre dosimetria de pena em juízo recursal. Ainda segundo ele, é normal o quantitativo das penas serem revistas.
Agência Senado/Fotos: Geraldo Magela/AS/Artt Brand/Divulgação